Título: Campos do Jordão Ainda é esperança contra tuberculose
Autor: Leite, Fabiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2008, Vida&, p. A30

Dois sanatórios do passado hoje acolhem 185 pacientes carentes

O trem que chega à ¿Suíça brasileira¿, Campos do Jordão, a 167 km de São Paulo, passa em frente da morada de Antônio, na estação ¿Sanatórios¿ da ferrovia. No início do século passado, ali desembarcavam milhares de doentes que se dirigiam aos 14 sanatórios para portadores de tuberculose que existiram na cidade, então conhecida pelo suposto poder terapêutico de seus ares. Mas a descoberta de medicamentos que curam a doença e o fechamento da maioria dos hospitais ao longo dos anos deram uma nova função à ferrovia, hoje rota de turistas.

Antônio, porém, chegou à mesma ¿estação¿ há um ano, em ambulância de sua cidade, que o enviou para o hospital filantrópico Leonor Mendes de Barros, um dos dois sanatórios que restaram em Campos e que hoje atendem pacientes ¿sociais¿, ou seja, doentes de tuberculose que, sem condições adequadas de alimentação, moradia e saúde, também determinantes da doença, precisam ser internados para concluir o tratamento. Apesar de gratuita e de não exigir internação na maior parte dos casos, a terapia para a tuberculose é longa (no mínimo seis meses), exige disciplina na ingestão diária de antibióticos, além de alimentação adequada e repouso - o que nem todos têm condições de atender.

Em Campos de Jordão, nas duas unidades conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) - e subordinadas à Secretaria de Estado da Saúde - vivem hoje 185 doentes, entre eles ex-moradores de rua, usuários de drogas que perderam tudo, doentes psiquiátricos e outras pessoas com graves dificuldades financeiras. ¿A tuberculose é só um dos problemas dos pacientes, com vários outros em volta¿, diz João Marcos Romain, diretor administrativo da unidade, comandada pela Sociedade Beneficente São Camilo.

¿Antônio Carlos Forte, só agora fraco¿, diz Antônio, de 39 anos, quando a reportagem lhe pergunta o nome. Morador de Capão Bonito, a 226 km da capital, foi parar no hospital depois de ter a doença pela segunda vez. Na última, pegou a forma resistente, que exige tratamento mais longo, de um ano e meio. ¿Pensava que era uma gripe forte¿, diz Antônio, que vivia de bicos como pedreiro. Sem poder trabalhar, com os pais já mortos e os outros dois irmãos também doentes, vivia da ajuda de um sobrinho, até que não deu mais. ¿Estou louco para ir embora, me virar¿, diz o ex-pedreiro, que ganhou 30 quilos no hospital, mas sente a falta da família, de suco, guaraná, bolo, chinelos novos - e de ter a própria vida. ¿Vai ser como tirar um passarinho de uma gaiola¿, diz, a uma semana de ir embora.

A maioria dos doentes da unidade - hoje são 80 - é como ele: com pouca instrução, solteiro e em idade produtiva. A unidade só aceita homens. Segundo o diretor, o maior desafio é combater a ociosidade dos pacientes, que esporadicamente saem para passeios e não contam com muita simpatia da cidade onde circula a elite paulista. Não podem ficar na frente do hospital depois de reclamações por brincarem com os passantes. A unidade tem biblioteca, oficina para pintura e artesanato e curso de alfabetização. Assim como outras entidades filantrópicas, no entanto, reclama da remuneração do SUS. Ainda segundo o diretor Romain, até hoje ninguém aceitou oferecer trabalho aos doentes. ¿Não querem associar a marca à tuberculose.¿

BORBOLETAS E MISÉRIA

Próximo do Palácio Boa Vista, residência de inverno do governador, funciona o segundo sanatório de Campos, mantido pela Sanatorinhos Ação Comunitária de Saúde. Foi o único que sobrou de um conjunto de três hospitais que a entidade mantinha. Hoje tem 105 internos e é um dos dois do Estado que atende mulheres. Foi por uma das unidades extintas que passou o escritor Nelson Rodrigues e tantos outros famosos, lembra o pneumologista José Eduardo de Oliveira.

Na ala feminina vivem 24 pacientes, entre elas Silvia Francisca de Jesus, 30 anos, um filho de 12, ex-usuária de drogas nas ruas da Cracolândia, no centro de São Paulo. Há três meses na unidade, curou-se do vício, engordou, diz estar feliz. ¿Quando bate a depressão eu como um doce.¿ Os pacientes podem ir embora quando querem, mas a taxa de abandono antes da cura caiu 60%, diz o hospital.

O prédio, de 1948, tem alas bastante deterioradas, necessitando de pintura e novo piso, como a das mulheres. Mesmo assim, a área ¿delas¿ é enfeitada por dezenas de coloridas borboletas de papel. A entidade promete reformar todo o sanatório em três anos. Já as internações têm caído ano a ano, destaca Oliveira, sem grandes esperanças de ver o fim da doença, no entanto. ¿O sanatório nem deveria existir, mas enquanto houver miséria, haverá tuberculose.¿

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