Título: Índia, berço de empresas bilionárias
Autor: Caldas, Sérgio Túlio
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2008, Economia, p. B14

Livro da jornalista Patrícia Campos Mello retrata o país com futuro mais promissor entre os chamados BRICs

Desde um passado remoto, a Índia intriga e ao mesmo tempo exerce um poder de atração incomum a outros países. A espetacular diversidade do território, da cultura e do povo indianos tem sido ao longo dos séculos responsável por fascinar viajantes e chefes de Estado; comerciantes, historiadores e arqueólogos - incluindo nessa fila indiana simpatizantes de filosofias orientais, músicos e aventureiros de toda sorte.

Sempre houve razões de sobra para conhecer e tentar decifrar essa nação de dimensões continentais e dona de extraordinária cultura milenar. Agora há mais um motivo: a terra dos deuses hindus, da sociedade de castas e do pacifista Mahatma Gandhi está se tornando sinônimo de país avançado, berço de novas tecnologias e de empresas bilionárias.

País de patrimônios inestimáveis como o Taj Mahal e de belezas estonteantes como os Himalaias, a Índia ainda permanece uma ilustre desconhecida. Não foram poucos os pensadores que tentaram entendê-la e revelar sua cultura. Inclui-se aí gente do calibre de Thomas Mann, um dos maiores escritores da língua alemã, com seu As Cabeças Trocadas (1940); e do mexicano Octavio Paz, ensaísta latino-americano, que escreveu Vislumbres da Índia, enquanto rodava o país como embaixador nos anos 60. Hoje, entre tantos escritores de origem indiana que se tornaram best sellers no ocidente, Salman Rushdie e o prêmio Nobel V.S. Naipaul buscam com a literatura compreender e exibir peculiaridades pouco conhecidas da vida na Índia.

Nesses últimos tempos, o país passou a ser incensado por um motivo inédito, impensado até recentemente. Desde que o atual primeiro-ministro Manmohan Singh arquitetou a reforma econômica que sacudiu o país em meados de 1991, a Índia passou a crescer a passos largos. A primeira medida de Singh foi dar fim ao licence raj, uma amarra dos tempos da colonização britânica. Esse sistema de licenças, que permanecia intocável mesmo após a independência em 1947, impunha o Estado como interventor onipresente em praticamente todas as atividades econômicas. Nenhum negócio seguia em frente sem a autorização formal do governo.

Entre várias medidas adotadas, Singh interrompeu a pressão estatal na economia baixando a carga tributária e abrindo a Índia para investimentos externos. Um dos resultados: nos últimos três anos, o crescimento do PIB chegou à extraordinária média anual de 8,4%.

Mais ainda, analistas do banco Goldman Sachs apontam que em 15 anos a economia da Índia deverá ultrapassar a da Grã-Bretanha - o mesmo país que a colonizou por quase 200 anos e a largou imersa na miséria. Mesmo que 28% da população indiana viva abaixo da linha de pobreza, sua classe média soma 300 milhões de pessoas, que dominam o inglês, têm bom nível educacional e consomem cada vez mais. Estudos da McKinsey indicam que, em 2025, esse batalhão vai chegar aos 583 milhões de indivíduos com poder aquisitivo e disposição para consumir. Esses dados, que animam novos investidores, são só uma pequena mostra do novo e próspero ciclo indiano que o mundo está ávido para compreender. E se associar a ele.

Índia, da Miséria à Potência, livro da jornalista Patrícia Campos Mello, correspondente do Estado em Washington, traz luz sobre esse país cujo futuro é previsto como o mais brilhante entre os países do grupo chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).

Para escrever o livro, redigido em linguagem jornalística e objetiva, mas sem deixar de lado seu olhar pessoal, Patrícia se debruçou sobre inúmeras pesquisas, estudos e análises econômicas da Índia. Conversou com diversos especialistas do país. Como não poderia deixar de constar numa obra desse fôlego, ela traçou paralelos com a China, o gigante de 1,3 bilhão de habitantes (200 milhões a mais que a Índia) e com PIB de US$ 2,5 trilhões, três vezes maior que o indiano. Constatou que os investimentos entre as duas potências emergentes são ainda muito tímidos: inferiores a US$ 500 milhões entre 1991 e 2006. O investimento da China em terras indianas somou US$ 236 milhões, o equivalente a 0,28% do total recebido pela Índia.

Foram as viagens pela Índia, porém, que renderam à jornalista as principais fontes para entender como as transformações econômicas estão ocorrendo no país e como elas podem afetar o mundo num futuro próximo. Nessas empreitadas, além de vivenciar a vida rural em aldeias remotas do Rajastão, um vasto território castigado pela aridez do deserto de Thar, na fronteira com o Paquistão, a autora circulou por algumas das mais poderosas e influentes companhias indianas.

Numa dessas visitas, encontrou-se com Nandan Nilekani, presidente da badalada Infosys, empresa de desenvolvimento de softwares cujo valor de mercado chega a fabulosos US$ 20 bilhões e faturamento da ordem de US$ 3 bilhões. Baseada em Bangalore, essa primeira empresa indiana a ter ações negociadas na Nasdaq emprega 58 mil funcionários e atende organizações de peso como a Philips, JC Penney, Novartis e Goldman Sachs. Nilekani revelou esses números numa das confortáveis salas da Infosys City - uma cidade que conta com a réplica da pirâmide do Louvre para abrigar o centro de mídia e da Ópera Sidney, onde fica um dos 14 restaurantes para funcionários; além de supermercado, livraria e academia de ginástica num prédio em forma de disco voador.

Há décadas, Bangalore, capital do Estado de Karnataka, tornou-se conhecida no ocidente pela fabricação do incenso. A Bangalore que Patrícia andou, porém, está além da fragrância emanada das varetas cobertas de essências florais. A Infosys é uma das surpresas do país, que encontrou no desenvolvimento de software o caminho para se tornar conglomerado internacional.

A capacidade produtiva e criativa da Índia ainda terá muito a surpreender, conforme Índia, da Miséria à Potência. A jornalista apurou que as exportações de software da Índia devem chegar a US$ 60 bilhões entre 2009/2010. O mercado internacional está atento a outros produtos vindos da Índia. É lá que são produzidos 35% dos medicamentos genéricos consumidos no mundo. E é também da cabeça de um indiano, Ratan Tata, presidente do grupo Tata (um conglomerado de 93 empresas com faturamento de US$ 17,8 bilhões, que produz de chá a caminhões), que saiu o pequeno Nano, o carro mais barato do mundo, a ser vendido por apenas US$ 2.500, a partir de setembro. Por enquanto, a Índia vem fazendo o dever de casa. Os indianos têm feito por merecer. É a lei do carma.

* Sérgio Túlio Caldas é jornalista e escritor, autor de Nas Fronteiras do Islã (editora Record). É diretor e roteirista dos documentários Jai Hind!, Varanasi e Alma da Índia.

Serviço: Índia, da Miséria à Potência (Planeta,150 págs., R$ 29,90), será lançado na terça-feira, às 19 horas, na Livraria da Vila (Al. Lorena, 1731, Jardins; tel.: 3062-1063), com a presença da autora do livro.

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