Título: Estímulo à sonegação
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2008, Notas e Informações, p. A3
Para muitas empresas em dificuldades momentâneas, a renegociação de dívidas tributárias é o caminho para a sobrevivência. Quando empresas nessa situação obtêm do Fisco melhores condições para quitar a dívida - prazo mais longo, parcelas condizentes com sua capacidade financeira -, os ganhos podem ser substanciais. A sobrevivência do empreendimento assegura empregos, a geração de riqueza e mais tributos.
Mas, infelizmente, é cada vez menor o número de empresas que, valendo-se de programas de renegociação de débitos tributários, superam suas dificuldades e voltam a recolher regularmente os tributos devidos. Apesar disso, nos últimos anos, os casos de empresas que se recuperaram depois de renegociar sua dívida tributária têm servido de argumento para justificar novos e generosos programas de redução de débitos fiscais com oferta de prazos muito longos para a quitação do saldo devedor.
Os resultados desses programas têm sido desastrosos para o governo. Além disso, esses programas prejudicam os contribuintes honestos que, mesmo enfrentando dificuldades, pagam pontualmente seus impostos e são atropelados pela concorrência desleal das empresas que não pagam impostos com regularidade, porque sabem que poderão recorrer aos programas de renegociação de débito fiscal, sem perder vantagens e direitos dos contribuintes em dia, não honram os termos da renegociação e continuam a operar normalmente.
Reportagem do jornal Valor, de segunda-feira, mostra que do primeiro programa de renegociação de débitos tributários, o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), de 2001, já foram excluídos mais de 106 mil das 130 mil pessoas jurídicas que aderiram a ele. Ou seja, dos contribuintes que se habilitaram a receber as vantagens do Refis - o mais generoso de todos os programas desse tipo - foram excluídos mais de 80%, pela falta de cumprimento dos termos do acordo.
Os defensores do Refis diziam que, com ele, ao mesmo tempo que se preservavam as empresas beneficiadas e o recolhimento de novos tributos, o governo poderia recuperar uma dívida estimada em R$ 96 bilhões. Sete anos depois, o balanço feito pela Receita Federal indica que, do valor previsto, quase 70% deixaram de ser recolhidos. Das empresas excluídas, 44% pararam de pagar as parcelas decorrentes da renegociação e 27% deixaram de cumprir suas obrigações tributárias correntes.
Resultados como esses, danosos para a Receita e para os contribuintes honestos, não desanimam o poderoso lobby da sonegação impune - formado principalmente por dirigentes empresariais e alguns parlamentares -, sempre pelejando por anistia ou alongamento de dívidas tributárias. Em 2003, o Congresso aprovou o Parcelamento Especial (Paes), com menos vantagens do que o Refis, mas ainda assim interessante para o devedor. A adesão a esse programa foi bem maior. Nele se inscreveram 374 mil contribuintes, com dívida total de R$ 72 bilhões. Dos inscritos, cerca de metade (183 mil) tinha sido excluída pouco mais de quatro anos depois. Dos excluídos, 52% deixaram de pagar as parcelas devidas e 46% não recolheram os tributos correntes.
Em 2006, novo programa foi lançado, por meio de uma medida provisória. Desta vez, o programa ganhou o nome de Parcelamento Excepcional (Paex) - o Refis 3. Ao Paex aderiram 180 mil empresas, cujas dívidas somavam R$ 23 bilhões. A Receita ainda não tem um balanço desse programa. Mas, para quem acompanhou os resultados dos programas anteriores, será uma surpresa se, neste caso, o índice de inadimplência for menor. Mas o lobby dos maus pagadores no Congresso não espera surpresa e já articula a aprovação de novo programa de renegociação e parcelamento de dívidas tributárias. Projeto para isso já existe. Ele foi apresentado em 2005 pelo então líder do governo no Congresso, senador Fernando Bezerra.
Assim, vai engordando cada vez mais o bloco dos maus pagadores. A certeza de que o governo acabará parcelando a dívida em condições vantajosas para o devedor encoraja mais contribuintes a não pagar o imposto no momento devido.
Estimula a sonegação.
Links Patrocinados