Título: A escola pública que ensina
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2008, Notas e Informações, p. A3

Vamos pedir emprestado o slogan das campanhas de vacinação contra a poliomielite para comentar um evento auspicioso na área do ensino. ¿A gota que salva¿, neste caso, é representada pelos 37 municípios brasileiros - ou 0,66% do total de 5.564 - onde a rede pública escolar efetivamente ensina e os alunos efetivamente aprendem, conforme estudo concluído no fim do ano passado e divulgado ontem. E a gota salva porque nenhum dos 10 ingredientes desta receita de sucesso é misterioso ou inacessível a ponto de impedir que ela seja aplicada em tantas quantas cidades onde haja a disposição de fazê-lo. Além disso, aqueles municípios estão longe de ter indicadores socioeconômicos de que a sua população se possa orgulhar. Confirmando a experiência estrangeira, tampouco no Brasil existe uma relação direta e fatal entre pobreza e educação de baixa qualidade. Por exemplo, Sete Barras, uma das três cidades paulistas arroladas, é uma das mais pobres da região mais pobre de São Paulo: o Vale do Ribeira.

A avaliação - uma parceria entre o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, do MEC, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - é a primeira em muito tempo a oferecer informações minimamente alentadoras sobre o que se passa na escola brasileira. Ainda no domingo este jornal publicou em primeira mão os dados acabrunhantes de uma pesquisa do governo, segundo a qual nada menos de 1/3 das crianças matriculadas na 4ª série do ensino fundamental não sabe nem sequer o que se espera que saibam os alunos ao fim da 1ª série. A rigor, o que separa essas crianças das que têm o privilégio, por assim dizer, de estudar em qualquer daqueles 37 municípios é apenas o seguinte: estas últimas, ao concluir o equivalente ao antigo curso primário, aprenderam o que precisavam aprender - se não mais.

Isso porque ali se adotou o que o levantamento intitulado Redes de Aprendizagem denomina ¿boas práticas de municípios que garantem o direito de aprender¿. Trata-se de ¿coisas simples¿, assinala a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda. Nunca será demais reproduzi-las: 1) gestão para a aprendizagem, isto é, organizar a escola com o objetivo de chegar a um ¿ensino de resultados¿, que consiste em fazer com que o aluno aprenda; 2) prática de rede, que vem a ser a integração de todas as escolas do município em um mesmo método de trabalho; 3) planejamento, que envolve, obrigatoriamente, os pais dos alunos; 4) avaliações; 5) valorização dos professores; 6) investir na formação contínua dos docentes; 7) valorização da leitura; 8) atenção individual aos alunos; 9) agenda de atividades complementares; e 10) parcerias envolvendo áreas da saúde, esporte, cultura e assistência social. Dez obviedades ululantes, portanto, cuja observação depende apenas de competência e dedicação.

É comovedora a atitude dos educadores das 37 cidades-exemplo diante dos desafios do ofício. ¿A gente não deixa nenhum aluno para trás¿, diz um professor de Marilena, no Paraná. ¿Os professores insistem, insistem, até a gente aprender¿, conta um estudante de Guaramirim, em Santa Catarina. ¿Aqui tudo é pedagógico¿, ensina um profissional de João Monlevade, em Minas Gerais. ¿A aula é prazerosa. Educação é movimento¿, rejubila-se uma professora de Carmo do Rio Verde, em Goiás. ¿Aqui não tem invenção. É giz e lousa, mas tudo está organizado¿, relata uma diretora de escola no citado município paulista de Sete Barras. ¿Não tem segredo nenhum aqui. Fazemos o que toda escola deve fazer¿, reitera uma coordenadora de ensino daquela cidade. Tendo recebido com antecedência o levantamento, os jornais puderam publicar ontem o que os seus repórteres apuraram nos municípios que visitaram. O resultado é muito interessante.

Permite verificar a diversidade de iniciativas, em cada localidade, para levar adiante essa ou aquela das 10 práticas afinal selecionadas pelo estudo para fundamentar o seu modelo de ensino que dá certo. A imaginação e a capacidade dos educadores de tirar o máximo proveito dos quase sempre escassos recursos disponíveis não apenas resolvem problemas: funcionam como novos incentivos para a comunidade escolar. Como diz um entrevistado, ¿ninguém se deixa imobilizar pelas dificuldades¿.

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