Título: Lula não quer alteração nas Mps
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2008, Notase Informações, p. A3

A comparação do funcionamento, ao longo da história, dos diferentes sistemas de governo da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos mostra que, ao contrário do que os seus nomes sugerem, o parlamentarismo é o sistema em que o Executivo é o poder mais forte e o presidencialismo aquele em que o mais forte é o Legislativo.

No Brasil, graças ao poder de legislar de que dispõem os presidentes, maior que nunca na era Lula, a agenda do Congresso Nacional é ditada pela Presidência da República - e se contam nos dedos os casos em que, estando em jogo matérias de grande interesse, se formam maiorias legislativas capazes de derrotar o governo. O episódio do fim da CPMF é a proverbial exceção que confirma a regra. No ano passado, por exemplo, originaram-se no Executivo 119 dos 157 projetos aprovados pela Câmara e o Senado, ou 3 em cada 4. E boa parte das propostas aprovadas originadas no Parlamento - vai ver por isso mesmo - tem reduzida importância.

Conhecem-se os meios de que o presidente se vale para reduzir a instituição do outro lado da Praça dos Três Poderes a uma espécie de anexo do Palácio do Planalto. A dependência vital dos políticos das benesses do governo, somada à falta de estofo dos muitos sempre prontos a servi-lo, explica como foi possível chegar a essa situação em que a prerrogativa do presidente de sacar das afamadas medidas provisórias (MPs) é praticamente ilimitada. Concebidas na Carta de 1988 para permitir a edição de leis em situações de ¿relevância e urgência¿, são usadas sem qualquer restrição, em casos que não são nem uma coisa nem outra. Em 2007, Lula submeteu o Congresso a um aluvião de 70 MPs, grande parte das quais para a abertura de créditos suplementares. Desde 2003, elas somam 318. Além disso, pelas regras atuais a MP que não for apreciada em 45 dias trava as votações na Casa em que estiver tramitando - um breve contra a atividade legislativa. Ao completar 120 dias no limbo, expira e não pode ser reeditada.

Há três meses, ao assumir a presidência do Senado, o peemedebista Garibaldi Alves criticava asperamente a submissão do Legislativo e o uso abusivo das MPs pelo governo. Na semana passada, depois que a MP da TV Brasil pôde ser aprovada graças à derrubada, pelo líder do governo, de outra que lhe barrava o caminho, a oposição decidiu não votar doravante nenhuma delas. Esses fatos deram relevância e urgência a um projeto da comissão especial criada pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, para mudar o rito de tramitação das MPs. Diante do parecer preliminar do relator da proposta, o peemedebista Leonardo Picciani - que autoriza a Comissão de Constituição e Justiça da Casa, em até 5 dias, a rejeitar a MP que não considerar relevante e urgente; acaba com o trancamento da pauta de votações, embora, aos 45 dias, ela se torne o seu primeiro item; e mantém o seu atual limite de validade -, Lula partiu para o contra-ataque.

Depois de orientar os líderes da base a negociar uma alternativa que poupe o governo do risco de serem as MPs equiparadas a projetos comuns, sem prazo para votação, mas perdendo eficácia se não forem aprovadas em 120 dias, o presidente foi ao palanque. No lançamento de uma obra do PAC declarou que é ¿humanamente impossível¿ governar sem medidas provisórias. É velho como andar para a frente o truque de distorcer alguma coisa para melhor combatê-la. Lula sabe que ninguém em sã consciência quer extinguir as MPs. Sabe também que ao que se visa é coibir o uso abusivo - que não começou com ele, mas com ele chegou ao paroxismo. O clamoroso excesso de medidas provisórias, emitidas por dá cá aquela palha, combinado com a regra chantagista do trancamento da agenda de deliberações, obriga o Congresso a dançar conforme a música do Planalto: ou vota o que o governo deseja ou não vota nada. É humanamente impossível considerar democrático esse arranjo.

Lula pretende comer pelas bordas a iniciativa que o incomoda. Daí o perigo de que se comece tentando instalar os freios necessários à absurda desenvoltura do Executivo na feitura de leis e termine aprovando um punhado de mudanças cosméticas, ou pouco mais que isso. Mesmo porque nenhum partido apto a ir ao poder aceitará de antemão tolher-se no seu exercício.

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