Título: Jornalismo em ano eleitoral
Autor: Franco, Carlos Alberto Di
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2008, Espaço Aberto, p. A2

Estamos em ano eleitoral. Campanhas milionárias, promessas irrealizáveis e imagens produzidas farão parte, mais uma vez, do marketing de alguns candidatos. Assistiremos, diariamente, a um show de efeitos especiais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode, infelizmente, ser transformado em instrumento de mistificação. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era da inconsistência. Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das idéias. Nós, jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os candidatos. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos de um espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de uma democracia verdadeira e amadurecida.

Por isso, uma cobertura de qualidade será, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. Não basta um painel dos candidatos, mas é preciso cobrir a fundo as questões que influenciam o dia-a-dia das pessoas. É importante fixar a atenção não nos marqueteiros e em suas estratégias de imagem, mas na consistência dos programas de governo. É necessário resgatar o inventário das promessas e cobrar coerência. O drama das cidades (segurança, educação, saúde, saneamento básico, iluminação, qualidade da pavimentação das ruas e transporte público de qualidade, entre outros) não pode ficar refém de slogans populistas e de receitas irrealizáveis. Os candidatos deverão mostrar capacidade de gestão, ousadia e criatividade.

O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências e cobrar soluções dos candidatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O centro do debate tem de ser o cidadão, as políticas públicas, não mais o político, tampouco a própria imprensa. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute a Nação oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.

Outros desvios éticos podem comprometer a qualidade da cobertura eleitoral. Sobressai, entre eles, o perigoso jornalismo de dossiê. Os riscos de instrumentalização da imprensa são evidentes. Os protagonistas do teatro político não medirão esforços para fazer com que a mídia, à sua revelia, destile veneno nos seus adversários. Por isso, é preciso revalorizar, e muito, as clássicas perguntas que devem ser feitas a qualquer repórter que cumpre uma pauta investigativa: checou? Tem provas? A quem interessa essa informação? Trata-se de eficiente terapia no combate ao vírus da leviandade.

O esforço de isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. O leitor quer um quadro claro, talvez um bom infográfico, que lhe permita formar um perfil dos candidatos: seus antecedentes, sua evolução patrimonial, seu desempenho em cargos atuais e anteriores, etc. Impõe-se, também, um bom levantamento das promessas de campanha. É preciso mostrar os eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, no fundo, de levar adiante um bom jornalismo de serviço.

Os políticos, pródigos em soluções de palanque, não costumam perder o sono com o rotineiro descumprimento da palavra empenhada. Afinal, para muitos, infelizmente, a política é a arte do engodo. Além disso, contam com a amnésia coletiva. O jornalismo de qualidade deve assumir o papel de memória da cidadania. Precisamos falar dos planos e do futuro. Mas devemos também falar do passado, das coerências e das ambigüidades.

Armação da imprensa. Distorção da mídia. Patrulhamento de jornalista. Quantas vezes, amigo leitor, você registrou essas reações nas páginas dos jornais? Inúmeras, estou certo. Irritam-se os políticos apanhados com a boca na botija. Inconformados, referem-se à imprensa que desencadeia a pressão popular contra homens públicos aéticos comparando-a, com cinismo, à ¿ditadura¿. Tais declarações, marca registrada desses homens de palha, não nos devem preocupar. Afinal, todos, independentemente do seu colorido ideológico, procuram o bode expiatório para justificar seus deslizes éticos e morais. A culpa é da imprensa! O grito é uma manifestação vergonhosa de desprezo pela verdade.

Personalidades públicas, inúmeras, têm procurado usar a mídia. Afirmam e depois, cinicamente, desmentem o que afirmaram. Nós não podemos ficar reféns desse jogo. Os meios de comunicação existem para incomodar. Um jornalismo cortesão do poder é o antijornalismo. A imprensa, sem injustos prejulgamentos, tem o dever de desempenhar importante papel na recuperação da ética na vida pública. Nosso compromisso não é com os políticos, mas com a verdade, com a informação bem apurada e com os leitores.

Transparência nos negócios públicos, ética, qualificação e competência são as principais demandas da sociedade. E são também as pautas de uma boa cobertura eleitoral. Deixemos de lado a pirotecnia do marketing e não nos deixemos aprisionar pelas necessárias pesquisas eleitorais. Nosso papel, único e intransferível, é ir mais fundo. A pergunta inteligente faz a diferença. E é o que o leitor espera.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia E-mail: difranco@ceu.org.br

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