Título: É preciso restringir assuntos das MPs
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2008, Nacional, p. A7

Amauri de Souza: cientista político. Para Amauri de Souza, os exageros do governo em relação às medidas provisórias estão com os dias contados

A disposição do governo de frear o ritmo das medidas provisórias, anunciada há dias pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, é um pequeno passo - voluntário ou não - numa caminhada que, lá na frente, levará a um controle mais eficaz das medidas provisórias e, talvez, à sua extinção. A avaliação é do cientista político Amauri de Souza, sócio-diretor da MCM Consultores Associados, para quem os atuais exageros do governo estão com os dias contados. ¿No governo Collor, era possível editar e reeditar à vontade as MPs. Nos governos seguintes, aos poucos, elas foram sendo restringidas. Hoje isso já parece insuficiente e o Congresso está cada dia mais rebelde. As negociações sobre o assunto são permanentes¿, diz.

A edição de medidas provisórias é uma estratégia para enfraquecer o Legislativo e governar sozinho?

Há uma estratégia, mas é preciso entender por que o governo age assim. Não é necessariamente por perversidade, mas porque tem de fazer as coisas acontecerem e, no entanto, padece de uma perene falta de maioria estável no Congresso.

Mas ele tem o apoio de imensa maioria de partidos e mais de 60% dos votos.

Por mais que a base aliada inclua novos partidos - eram três, no primeiro mandato, e agora são 14 - , o fato é que essa maioria não resolve, como se viu na votação da CPMF. Essas maiorias têm de ser providenciadas a cada votação, por causa da cultura de indisciplina partidária que se criou, e pela incapacidade dos partidos de controlarem os filiados. Aliás, a política brasileira vive uma situação curiosa. O Executivo é refém do Congresso, onde precisa sempre ir atrás dos votos e não consegue nunca formar uma maioria estável. E o Legislativo também é refém do governo, que o controla graças a duas armas fatais: as medidas provisórias e o Orçamento, que, sendo contingenciado, é administrado gota a gota.

Por que as MPs chegaram a ter tanta força?

Isso começou lá atrás, quando as crises econômicas exigiam ação rápida do Executivo e essas medidas de força foram legitimadas pelo interesse nacional. Juridicamente, eram um instrumento de exceção, mas a gravidade da situação as tornou aceitáveis. No cenário atual, o governo alega que o Congresso não decide com a rapidez necessária certas questões, mas isso não é uma regra, como faz crer o presidente Lula. Algumas questões são resolvidas rapidamente. Outras são complexas e demoram anos - não só aqui, mas em outros países. É normal uma reforma tributária ou política demorar dez, vinte anos. O que cabe investigar é o seguinte: quais as questões que exigem, de fato, tanta rapidez para justificar uma MP?

Os presidentes da Câmara e do Senado dizem-se dispostos a recuperar a autonomia das duas Casas, rediscutindo o papel dessas medidas provisórias. É para valer?

Dá para perceber que, à medida que o tempo passa, o Congresso vai ficando mais avesso às MPs. A negociação hoje é constante. Não é à toa que a ministra Dilma Rousseff admitiu, há dias, que o governo vai refrear o ritmo dessas iniciativas. É porque o barulho do outro lado está forte.

Aonde isso pode levar?

Há uma evolução. Nos tempos do governo Collor, as MPs podiam tudo. O governo as reeditava à vontade. O Plano Real, já em 2004, era uma MP que foi sendo reeditada continuamente e só foi aprovada em plenário uns três anos depois. Hoje há novas etapas para se avançar. Primeiro, a meu ver, é preciso restringir os assuntos de que uma MP pode tratar. Por exemplo, impedindo que elas criem novos tributos ou legislem sobre temas financeiros. Depois, redefinir o seu rito, para que não tranquem mais a pauta. Lá na frente, acredito que se poderá derrubar esse recurso, trocando-o pela delegação legislativa.

O que é essa delegação?

Uma figura que já existe na lei. Por ela, o Legislativo dá ao Executivo o poder de legislar sobre determinado tema. Não é mais o governo que decide, a seu critério, fazer o que quer. É o fim da linha para as MPs.

Cada vez que se sugere uma saída para uma crise, interesses mais fortes no Congresso impedem a solução. Não vai acontecer de novo?

Há uma evolução do quadro político. O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, que é do PT, elegeu-se prometendo enfrentar o problema e lutar pela autonomia da Casa. O do Senado aderiu à causa. Eles detectaram algo forte, que estava aborrecendo todo mundo. Mas a primeira idéia, de acabar com o trancamento de pauta pelas MPs, o Planalto vetou, pois sem isso a medida provisória perde os dentes.

O que mostra que há uma grande chance de não acontecer nada.

O clima político não aponta para isso. Pode-se ir pelas bordas, preparando uma reforma cerceando o exercício discricionário do Executivo. O Congresso tem poder de regulamentar as MPs. O problema é a fragmentação política, que o impede de enfrentar o tema.

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