Título: Mito de Escobar sobrevive na Colômbia
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2008, Internacional, p. A10

Supertraficante é tema de livros, filmes e até rota turística que revisitam a era em que `capo¿ pôs o país de joelhos

¿O Patrão¿, ¿O Doutor¿ ou ¿O Chefe¿. Para os mais próximos, simplesmente ¿Don Pablo¿. O modo como alguns habitantes de Medellín ainda hoje se referem ao maior narcotraficante de todos os tempos dá a medida do controle que ele exerceu sobre a sociedade colombiana nos anos 80 e 90.

Pablo Escobar pôs a Colômbia de joelhos. Aliciou empresários e juízes, corrompeu políticos e transformou as periferias das grandes cidades em campos de recrutamento para o crime organizado. Quinze anos após a sua morte - abatido no telhado de uma casa de classe média -, Medellín começa a convencer-se de que não há como apagar esse passado doloroso em que ¿O Patrão¿ semeou o terror na cidade.

¿Escobar foi responsável por uma passagem da nossa história que não há como esquecer¿, diz Martha Ospina, diretora da agência Tour Guides, de Medellín, que criou um tour para levar os turistas nos pontos-chave da trajetória do supertraficante. ¿É importante lembrar que esse passado difícil existiu e, com muita determinação, conseguimos superá-lo.¿

¿O Chefe¿ fez de Medellín a cidade mais violenta do mundo. Nos anos 90, o índice de homicídios chegou a 381 por 100 mil habitantes. Hoje, com 24 mortos por 100 mil, Medellín é modelo de combate à violência. O interesse que Escobar desperta dentro e, principalmente, fora da Colômbia, porém, parece aumentar conforme a certeza de que tudo já faz parte do passado anima quem conviveu com ele a contar suas histórias. Só neste ano serão lançados dois filmes sobre Escobar. O primeiro, do cineasta americano Oliver Stone, tem como base o depoimento de Roberto Escobar, irmão do narcotraficante. O segundo foi inspirado no livro Matando Pablo, de Mark Bowden, e contará com o vencedor do Oscar Javier Bardem no papel de Escobar.

Dois livros recentes também despertaram grande interesse ao reviver a história do barão da droga colombiano. O da sua ex-amante Virginia Vallejo foi lançado em outubro. Entre várias declarações polêmicas, ela diz que o hoje presidente colombiano, Álvaro Uribe, facilitou licenças de vôo para Escobar quando dirigia o departamento de aviação civil. O outro, do fotógrafo James Mollison, tem fotos inéditas encontradas no edifício Mônaco - onde Escobar viveu e na frente do qual uma palmeira chamuscada, destruída por uma bomba do rival cartel de Cali, lembra os anos de chumbo.

¿Nenhum filme ou documentário sobre Pablo pára nas nossas prateleiras¿, diz a vendedora de uma loja de DVDs no centro de Medellín. O ¿tour de Pablo¿, da Tour Guides, foi lançado em julho. Entre os locais visitados está o município de Envigado onde o capo começou como ladrão de carros antes de tornar-se matador de aluguel e, por fim, traficante, numa veloz escalada no organograma do crime. A segunda parada é o bairro Pablo Escobar, um aglomerado de centenas de casinhas de tijolo aparente doadas a famílias pobres pelo traficante em 1982, na sua campanha para deputado.

Foram ações como essas que fizeram com que, nessa época, Escobar fosse classificado como o ¿Robin Hood¿ de Medellín pela revista A Semana, a maior da Colômbia. As lápides dos cemitérios da cidade - que se multiplicaram nos anos em que o seu cartel esteve ativo na cidade - contam a outra parte da história. O maior erro de Escobar, dizem seus biógrafos, foi entrar na política. Ao ganhar projeção, ¿O Patrão¿não conseguiu mais esconder seus crimes e a origem de sua fortuna. Quando se viu acuado pelo Estado, declarou guerra.

Em meados dos anos 80, as bombas começaram a explodir em locais públicos, apinhados de gente. Para cada policial abatido, Escobar pagava US$ 500. Na lista dos que foram mortos pelo capo estão três candidatos à presidência, ministros e juízes. A redação do jornal El Espectador, um dos maiores do país, foi lançada aos ares com 100 quilos de explosivos, bem como a sede da polícia secreta.

No auge de seu império, Escobar controlava 80% do comércio global de cocaína - um filão de US$ 30 bilhões - e foi classificado pela revista Forbes como o sétimo homem mais rico do mundo. Extravagante, fomentou em Medellín a cultura da ostentação e do dinheiro fácil, criando o que se chamou de ¿narcoarquitetura¿.

Um dos maiores símbolos da sua riqueza era a fazenda Nápoles, a 4 horas de Medellín. Tinha 3 mil hectares de bosques, heliponto e duas pistas de aterrissagem que recebiam até três vôos diários. Nos jardins, um zoológico particular reunia elefantes, girafas, cangurus, hipopótamos e a maior coleção de aves em cativeiro do país. Hoje, do zoológico só sobraram os hipopótamos e o local está sendo reformado para virar um parque temático com réplicas de dinossauros.

Outros símbolos de seu império viraram ruínas no tempo em que a ordem em Medellín era clara: esquecer o passado. Um deles é a Catedral, uma casa que Escobar transformou em cadeia após um acordo com o governo, em 1991, para se entregar. A Catedral foi sua prisão de luxo, com direito a visitas de garotas de programa, bilhar e bar 24 horas até que o governo decidiu cortar as regalias - e Escobar decidiu fugir.

¿Tenho um projeto para criar um `Museu do Pablo Escobar¿¿, disse ao Estado Alonso Salazar, prefeito de Medellín e biógrafo do capo. ¿É claro que esse é um tema que ainda deve ser abordado com cautela por causa dos parentes das vítimas. Precisamos evitar idealizações e fazer uma descrição real do que aconteceu. Mas está cada vez mais evidente que não há como ocultar essa história.¿

A repórter viajou a convite da Proexport

CRONOLOGIA

1949 - Pablo Escobar nasce num bairro pobre de Envigado, município vizinho de Medellín

1976 - É preso pela primeira vez com 39 quilos de cocaína

1982 - Eleito deputado

1983 - Denunciado por tráfico pela DEA e jornais colombianos, inicia campanha de terror

1989 - Vinculado à morte do candidato Luis Carlos Galán

1990 - Persegue quem apóia a extradição para os EUA

1991 - Entrega-se após um acordo e vai para uma prisão de luxo. No ano seguinte, foge

1993 - É morto num bairro de classe média de Medellín

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