Título: O dia em que a livraria virou tribunal
Autor: Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2008, Nacional, p. A17

João Estrella, ex-traficante que foi tema de filme, é ¿julgado¿ de novo

Felipe Recondo, BRASÍLIA

João Estrella, personagem central do filme Meu Nome Não É Johnny, interpretado por Selton Mello, teve uma espécie de segundo julgamento na noite de segunda-feira. Desta vez, fora dos tribunais, numa livraria de Brasília, e sem a mesma sorte: a depender do júri presente, Estrella teria de cumprir bem mais do que os dois anos de prisão e outros dois de internação num manicômio, pena imposta pela Justiça ao então traficante.

No júri, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, o deputado e ex-juiz federal Flávio Dino (PC do B-MA). Do outro lado, além do advogado que defendeu Estrella no julgamento oficial, Renato Tonini, o jornalista e autor do livro que deu origem ao filme, Guilherme Fiúza. Na acusação, o procurador da República Eugênio Aragão.

João Estrella, na época jovem de classe média, foi preso em 1995, apontado como um dos maiores traficantes de cocaína do Rio. Acabou condenado pela juíza Marilena Soares como usuário e não como traficante, sentença elogiada por todos, já que Estrella conseguiu se ressocializar. Porém, uma condenação branda para um traficante internacional.

Depois de os convidados assistirem ao filme, começou uma mesa-redonda na livraria para discutir o caso. E a primeira palavra foi de defesa: ¿Nós tivemos um caso emblemático, que revela que devemos apostar na boa índole dos homens. Devemos apostar acima de tudo na esperança¿, afirmou Marco Aurélio.

Em seguida, porém, começaram os ataques. ¿Para mim, se eu fosse ter de julgar o ato, à primeira vista se vislumbraria um fato muito singelo: alguém que traficou em grande quantidade e para fora do País. E isso teria conseqüências muito graves¿, afirmou Aragão, para quem a juíza tratou Estrella com certa simpatia. ¿A juíza estava julgando alguém de sua classe. É normal que isso aconteça¿, disse.

O tom mais severo, porém, partiu do deputado Flávio Dino: ¿Se não fosse um filho da burguesia, provavelmente a conclusão não seria essa. O fato de ser branco influenciou o veredicto¿.

Dipp fez coro e admitiu que no Brasil negros e pobres são tratados, em muitos casos, com mais rigor do que outros : ¿Não vamos esquecer que não temos defensorias públicas, que o traficante do filme Tropa de Elite (morto pela polícia numa favela do Rio) não teve o mesmo tratamento¿. Marco Aurélio rebateu: ¿Não posso concordar que se julga com base no perfil social do acusado. A atuação do Estado juiz é eqüidistante. Não julgo segundo a capa do processo ou com a empatia, mas de acordo com minha formação técnica e humanística¿.

João Estrella, que obviamente não teria sua pena revista naquele julgamento, defendeu-se e disse que mesmo se fosse tratado como traficante e não como usuário ficaria pouco tempo preso, por ser réu primário e depois por bom comportamento. Além disso, argumentou, a juíza condicionou a pena à sua recuperação. ¿Ela jogou a sentença nas minhas mãos, porque, se eu não tivesse cuidado da minha saúde, a medida poderia ser renovada¿, disse.

Um consenso se formou ao final, apesar das divergências: se Estrella tivesse sido condenado a uma pena maior, poderia não ter se recuperado, largado as drogas e o tráfico. ¿O Estado não oferece oportunidade para que milhares de crianças não se tornem criminosos. Gasta-se muito dinheiro mantendo pessoas presas. Seria bom que elas aprendessem uma profissão¿, criticou Estrella. ¿Não há vontade política, inclusive do Judiciário, de fazermos algo melhor¿, concluiu Dipp.

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