Título: Um caso perdido
Autor: Pontes, Ipojuca
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2008, Espaço Aberto, p. A2

Tal como esperado, a oposição perdeu a batalha da TV Pública. Numa sessão tumultuada, marcada por gritos e ameaças, o governo fez aprovar no Senado a criação da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), gestora da TV. A votação estava prevista para 21 de março, mas o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), numa manobra ardilosa, desobstruiu a pauta da Casa, rejeitando outras votações, e antecipou a votação em dez dias. Com isso acelerou a votação da medida provisória (MP) da TV Pública. A oposição, como protesto, retirou-se em bloco do plenário, prometendo dificultar futuras votações de interesse do governo - mas a TV de Lula estava aprovada.

Para quem não acompanhou a porfia, em fevereiro o governo aprovou na Câmara dos Deputados, em primeira votação, a MP da criação da TV Pública, depois de receber duras críticas dos parlamentares da oposição. Numa sessão que atravessou horas, DEM e PSDB tentaram obstruir a votação, pois não concordavam com seu encaminhamento por medida provisória, instrumento que consideram, pelo uso indiscriminado, impróprio, inadequado e arbitrário.

Além de discordar da criação da EBC por MP, a oposição vinha criticando vários pontos do relatório do deputado Walter Pinheiro (PT-BA), entre eles o que diz respeito à imposição de Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, cujos recursos adviriam do pagamento compulsório das empresas de radiodifusão ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). De início, o repasse renderia à TV de Lula algo em torno de R$ 150 milhões, podendo ultrapassar, nos próximos anos, a casa do R$ 0,5 bilhão, já que as arrecadações do Fistel são crescentes e irreversíveis. O relator da MP garantiu que com o dinheiro da nova contribuição ¿a TV Pública terá maior independência¿.

A oposição também protestou quando, na última hora, o relator da matéria alterou o texto da MP no que se refere à tributação de outros serviços de telecomunicação fora da área da radiodifusão, a saber: internet, serviço móvel pessoal (sucedâneo do serviço móvel celular) e da comunicação multimídia - subordinados todos aos novos ¿marcos regulatórios¿ e taxações, em quase tudo semelhante ao projetado em 2004 para usufruto da natimorta Ancinav.

Outro ponto controverso da MP, considerado de caráter autoritário, é o que obriga as empresas de canais por assinatura a disponibilizar o acesso extemporâneo do assinante às televisões dos Poderes oficiais, entre elas a própria TV Pública e sua programação dirigida. Ademais, o relatório também impunha que os direitos de retransmissão de eventos esportivos das seleções brasileiras, comprados por emissoras privadas, se não fossem exibidos por qualquer motivo, seriam automaticamente cedidos à EBC. (Ainda que a medida só pudesse ocorrer eventualmente, ficava patente o avanço do Estado sobre os legítimos direitos da empresa privada - motivo da repulsa dos parlamentares oposicionistas e das entidades empresariais, como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a Abert).

Antes, em novembro de 2007, o DEM entrara com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal contra a MP da TV Pública, por considerá-la, além de dispendiosa, supérflua e partidária. Na oportunidade, o senador Agripino Maia, líder do DEM, afirmou: ¿No momento em que o governo fala em cortes no orçamento, não há como defender uma nova TV Pública, com custos orçamentários no valor de R$ 350 milhões, tirados dos cofres da União.¿

Mas o líder do DEM no Senado foi otimista na avaliação dos custos da empreitada. Pois, além dos recursos orçamentários da União, da ordem de R$ 350 milhões, a TV de Lula terá acesso a um fundo de produção do Ministério da Cultura, na casa dos R$ 80 milhões. E contará ainda com outros tantos milhões advindos do faustoso universo das verbas publicitárias das estatais - verbas, como se sabe, sob o controle da Secretaria de Comunicação Social, dirigida pelo ex-guerrilheiro e jornalista Franklin Martins. Mais preciso na previsão dos gastos foi o deputado Paulo Bornhausen, vice-presidente para Comunicação do DEM, que profetizou: ¿Vai ser a televisão do bilhão.¿

Na verdade, mais preocupante do que os ostensivos gastos orçamentários do governo com a TV Pública é, sem sombra de dúvida, sua utilização como instrumento ideológico comprometido com as ¿transformações revolucionárias¿ preconizadas pelo Foro de São Paulo, do qual Lula é um dos fundadores, ao lado de Fidel Castro. Com efeito, segundo as atas do Encontro Paralelo de Comunicação organizado pelo Foro em Porto Alegre, em 1997, ficou definida como meta dos seus integrantes a urgente ¿constituição do controle público sobre os meios de comunicação e da telecomunicação¿, tido como fundamental, uma vez que a ¿questão da comunicação e da telecomunicação tem sentido estratégica no enfrentamento ao neoliberalismo¿.

Examinada com um mínimo de isenção a programação da TV Pública, não será despropositado concluir que ali se cultua o espectro do mais notório terceiro-mundismo, com toda a sua carga de torções, distorções e preconceitos. E no que tange à prevalência do pluralismo das opiniões, o direito ao contraditório ideológico está mais para peça de ficção, visto que a representação do pensamento liberal-conservador nos programas da emissora praticamente inexiste.

Talvez tenha sido por isso que um dos membros do Conselho Curador da TV Pública, José Paulo Cavalcanti Filho, no início do ano, depois de assistir ao programa Ver Tudo, em que os três debatedores tinham como ¿normal¿ o fechamento da RCTV venezuelana pela vontade do coronel Hugo Chávez, alertou a direção da emissora quanto à necessidade de se estabelecer ali ¿a pluralidade de versões em toda a programação¿ - exaltada, mas pouco cultivada por seus mentores.

Ipojuca Pontes, cineasta e jornalista, é autor do livro Politicamente Corretíssimos

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