Título: O otimismo do BC
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2008, Notas e Informações, p. A3

O cenário internacional poderá piorar nos próximos meses, com maior aperto financeiro e menor atividade econômica no mundo rico, mas o Brasil será capaz de enfrentar a turbulência externa sem grandes danos, segundo o novo Relatório de Inflação do Banco Central (BC). O documento contém um balanço e uma avaliação das perspectivas da economia brasileira e dos mercados globais.

A análise é basicamente otimista, apesar da piora do quadro financeiro nos Estados Unidos e do enfraquecimento das contas externas brasileiras. A projeção de crescimento econômico para o Brasil passou de 4,5% em dezembro para 4,8% neste novo relatório. A inflação estimada aumentou de 4,3% para 4,6% e ficou pouco acima do centro da meta oficial, 4,5%.

A expansão da economia brasileira, segundo o relatório, deverá sustentar-se principalmente na demanda interna. A novidade, na avaliação do quadro global, é a confiança na capacidade brasileira de atravessar sem crise um ano de insegurança nos mercados globais. Já as perspectivas da economia mundial ¿seguem indefinidas, mas com viés negativo¿.

Indefinido o quadro externo, é difícil prever como evoluirão os preços do petróleo e dos produtos básicos vendidos pelo Brasil, mas os técnicos do BC ainda apostam em cotações firmes ou em alta para essas commodities. Essa aposta se baseia principalmente na expectativa de expansão econômica ainda vigorosa nos países emergentes, especialmente na China - apesar das medidas tomadas pelas autoridades chinesas para conter a inflação.

Os bons preços das commodities não impedirão, no entanto, a deterioração das contas externas, porque as importações continuarão crescendo muito mais que as exportações. A receita do comércio exterior, segundo o BC, deverá crescer 13,3% e alcançar US$ 182 bilhões. A despesa subirá mais que o dobro, 28,5%, e chegará a US$ 155 bilhões. O superávit comercial despencará de US$ 40 bilhões para US$ 27 bilhões. Como o déficit na conta de serviços continuará crescendo e o dinheiro remetido pelos trabalhadores no exterior diminuirá, a conta corrente do balanço de pagamentos terá um rombo, no fim do ano, de US$ 12 bilhões. Será o primeiro desde 2002. Mas entrará pela conta de capitais, segundo o BC, dinheiro mais que suficiente para cobrir o buraco.

Apesar do otimismo exibido pelos autores do relatório, há fortes motivos para preocupação. A projeção anterior, divulgada em dezembro, era de um déficit em conta corrente de US$ 3,5 bilhões. A nova estimativa reflete a rápida piora das contas externas - e num ambiente de preços favoráveis tanto dos produtos básicos como dos manufaturados, detalhe assinalado no documento.

Neste momento, os indicadores de sustentabilidade externa, como a relação dívida/PIB e serviço da dívida/exportações, são bem melhores do que há um ano. O acúmulo de reservas, hoje próximas de US$ 200 bilhões, confere ao País uma proteção muito importante numa fase de insegurança internacional. Mas essas condições poderão mudar sensivelmente, nos próximos anos, se a deterioração das transações correntes continuar em ritmo acelerado.

Não se discutem, no relatório, as causas da rápida erosão do superávit comercial nem as condições de competitividade dos produtores brasileiros. Essas condições têm sido agravadas pela rápida valorização do real e pelo aumento de custos, como os da energia, transportes e mão-de-obra.

A melhora dos indicadores de sustentabilidade interna foi obtida principalmente pelos superávits comerciais acumulados nos últimos anos. Foi essa a causa primeira da elevação do nível de reservas, acelerada, mais tarde, pelo crescente fluxo de dólares. A deterioração do saldo comercial poderá, em pouco tempo, ampliar o déficit em transações correntes. Essa tendência dificilmente deixará de influenciar a avaliação da economia brasileira pelos investidores estrangeiros.

O otimismo do BC quanto à resistência do Brasil a choques externos pode justificar-se por algum tempo, mas a rapidez da mudança na conta corrente do balanço de pagamentos é um sinal de alerta que não pode ser menosprezado.

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