Título: Fracassa leilão da Cesp e incerteza sobre concessões põe setor em alerta
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2008, Economia, p. B1

Empresas pré-identificadas para a disputa não depositaram garantia de R$ 1,74 bilhão exigida em edital

Renée Pereira

O leilão de privatização da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) fracassou pela terceira vez consecutiva e, além de representar uma derrota política para o governador José Serra (PSDB), pôs em xeque o futuro do setor elétrico brasileiro. As cinco companhias (CPFL, Neoenergia, Energias do Brasil e Alcoa, Tractebel) pré-identificadas para a disputa, marcada para hoje, não depositaram as garantias (de R$ 1,74 bilhão) exigidas por causa das incertezas sobre a renovação das concessões das Hidrelétricas de Ilha Solteira e Jupiá, que vencem em 2015.

As empresas alegaram que o preço, de R$ 49,75 por ação, não descontava a possibilidade de as concessões das usinas não serem renovadas. Diante do risco, elas reivindicaram a redução do valor ou uma sinalização do governo federal de que o problema das hidrelétricas seria resolvido.

Como não houve nenhum avanço, elas desistiram. ¿Não havia condição para o depósito de garantias para o leilão¿, afirma o vice-presidente comercial da Energias do Brasil, Miguel Setas. O governador de São Paulo, porém, preferiu apostar na sorte e não acreditou nas ameaças dos investidores. Acabou derrotado, sem os R$ 6,6 bilhões da venda da empresa, que seriam destinados a obras de infra-estrutura no Estado.

Uma das alternativas cogitadas para conseguir parte desse dinheiro, com o fracasso do leilão, pode ser a venda das ações fora do controle da estatal. Isso significaria alienar cerca de 45% de ações ordinárias. Mas trata-se de uma medida incoerente com a posição do governador de não reduzir o preço da empresa, já que o valor de suas ações despencou 28% em dois dias, para R$ 25,97. Outra seria fazer a cisão da empresa e vendê-la separadamente.

Na avaliação de muitos especialistas, o governador desconsiderou a delicada questão jurídica da renovação de concessão das usinas. ¿O processo foi muito mal conduzido. Uma série de pontos óbvios (como as ações judiciais contra a empresa) nem sequer foram equacionados antes de contratar um avaliador e pôr o edital no mercado¿, afirmou um especialista, que prefere não se identificar.

De qualquer forma, a tentativa de leiloar a estatal trouxe à tona um problema até então adormecido no setor elétrico. O vencimento dos contratos de concessão de usinas, sem direito à renovação, ultrapassaram a barreira paulista. ¿Essa questão deve ter uma solução nacional¿, avalia a secretária de Energia de São Paulo, Dilma Pena, destacando que o problema atinge 80% do setor.

Até 2015, vencem cerca de 20 mil megawatts (MW) de energia elétrica em todo o País, 38 distribuidoras e inúmeros empreendimentos de transmissão. Isso afeta diretamente as empresas do governo federal, como Furnas e Chesf, e outras estatais, como Copel (do Paraná) e Cemig (de Minas Gerais).

Não renovar a concessão das usinas significaria acabar com essas empresas. Além disso, afirmam analistas de mercado, não vai demorar para essas companhias começarem a ter dificuldade para obter empréstimos. Isso porque, com o fim das concessões, há perda de receitas. Outro problema pode ser o rebaixamento da classificação de risco dessas companhias.

Mas especialistas reconhecem que não será uma tarefa fácil conseguir resolver a situação, muito menos num curto espaço de tempo, como queria o governo de São Paulo. Isso porque trata-se de uma lei geral de concessões, válida para quase todos os setores de infra-estrutura, exceto telecomunicações. A mudança teria de passar pelo Congresso.

A sugestão do presidente da Tractebel, Manoel Zaroni, seria usar a sistemática da Lei 9.074, que cria a figura do produtor independente de energia. Isso permitiria a prorrogação do prazo das concessões por até mais 30 anos. Alguns especialistas, porém, argumentam que isso poderia ser contestado judicialmente.

Na avaliação de Dilma Pena, o fato de nenhum investidor apresentar garantias no leilão da Cesp indica que ainda há lacunas no modelo do setor elétrico brasileiro, que trazem insegurança para o investidor. COLABOROU NICOLA PAMPLONA

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