Título: Estabilidade aumenta confiança do consumidor nas compras a crédito
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2008, Economia, p. B11

Estudo do Ipea indica que segurança no emprego conta mais do que o valor dos juros na hora de comprar a prazo

A venda de bens duráveis acumula, desde 2004, crescimento vigoroso, que chega a ultrapassar 185%, como é o caso de equipamentos de informática (computadores e periféricos) e comunicação (incluindo aparelhos celulares). Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feito a pedido do Estado, expõe ainda a robustez do aumento das vendas de automóveis (57,3%), móveis e eletrodomésticos (86,6%). Tudo embalado pela facilidade do crédito, que, a partir do mesmo período, iniciou o chamado ¿ciclo livre¿, em contraposição à base anterior, de crédito direcionado.

O resultado é que o peso do crédito na proporção do Produto Interno Bruto (PIB) subiu, apesar de a renda total do trabalho - mesmo com algum avanço - ter reduzido sua participação na economia de 35% para 30% nos últimos dez anos, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O resultado da equação levou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a considerar a possibilidade de medidas restritivas de crédito para evitar uma eventual inflação de demanda. Recebeu uma saraivada de críticas por todos os lados.

O diretor de macroeconomia do Ipea, João Sicsú, explica a aparente discrepância entre o aumento do crédito acima da elevação da massa salarial por meio de uma lógica empírica. Em pesquisas mensais que desenvolveu a partir de 1995, percebeu que a contratação de crédito pelo consumidor está mais ligada à segurança no emprego e ao que representa a parcela devida no salário do que aos juros cobrados pela venda a prazo.

¿As pessoas querem saber se a compra cabe no orçamento. Não estão levando em conta o preço final, bem mais caro. Os juros reais no País ainda são altíssimos, mas o emprego formal está aumentando e há uma perspectiva de estabilidade inflacionária, embora a economia brasileira ainda seja muito jovem em questão de estabilidade¿, diz o economista.

Mais do que uma simples opção de pagamento, a compra a crédito passou a ser quase imposta ao consumidor pelo comércio. Vendedores são orientados a parcelar pagamentos a perder de vista e os tradicionais descontos para quitação imediata da compra atualmente se resumem ao desconto da taxa de administração do cartão de crédito.

SEM DESCONTO À VISTA

A corretora de imóveis May Agnes não tem salário fixo. Como outros trabalhadores autônomos, sua renda mensal oscila conforme o sucesso das vendas que promove. Mesmo assim, ela projeta suas despesas para meses à frente, em uma infinidade de compras a crédito no comércio.

¿Nas lojas, os vendedores oferecem insistentemente o crédito, e não há mais como comprar à vista. Nem desconto é dado para quem paga na hora¿, justifica. Desse modo, parcelou em dez vezes a compra de um televisor de LCD, pagou os pneus do carro em quatro vezes, os móveis da casa nova (financiada em dez anos), e por aí vai.

De acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o crédito para pessoas físicas, que se manteve em torno de 25% do volume total de financiamento bancário de 2001 a 2004, a partir daí passou a crescer de forma sistemática e mudou de nível, para mais de 30%. Desde o fim do ano passado, está em 35% do volume total e a tendência é chegar a 40% ainda este ano, segundo estimativas do Banco Central. Em fevereiro, do total de R$ 957,6 bilhões de créditos liberados pelos bancos, R$ 329,7 bilhões foram para pessoas físicas.

As empresas de capital aberto são obrigadas a informar ao mercado seu perfil e nível de endividamento. São critérios preponderantes para a classificação do risco que cada uma representa e determinam, portanto, a facilidade com que conseguem captar recursos no mercado e atrair novos investidores. Sobre o grau e o perfil (curto ou longo prazos) de endividamento das famílias brasileiras, não há dados estatísticos.

A preocupação do governo com o crédito levou economistas da consultoria Tendências a esboçar o cálculo de um índice, com base no cruzamento de alguns dados, mas sem o alicerce de pesquisas específicas com amostragem significativa de casos. Mesmo assim, a conclusão do economista Denis Blum, responsável pela avaliação do nível de endividamento oneroso da população, é de que ainda há espaço para absorção de crédito. ¿O nível ainda está bastante abaixo do observado em países com economia semelhante¿, atesta o economista.

Links Patrocinados