Título: Lula descarta superávit primário maior como alternativa à alta do juro
Autor: Lu Aiko Otta; Gobetti, Sergio
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2008, Economia, p. B6

Aumento informal da meta, fixada em 3,8% do PIB, é defendido por Mantega, que tenta impedir BC de elevar a Selic

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartou ontem a hipótese de aprofundar o corte nos gastos públicos e elevar o superávit primário (a diferença entre receitas e despesas, exceto juros). ¿O superávit não, de forma alguma¿, respondeu ele, ao ser questionado se o governo pretendia adotar a medida.

Inflação e crescimento são determinantes para os rumos da taxa de juros no Brasil . Acompanhe nesta quinta, 3, a divulgação de indicadores no portal Estadão

A idéia de elevar o resultado primário é defendida nos bastidores do governo como alternativa à alta da Selic, sob ameaça de ser decidida pelo Banco Central na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), dias 15 e 16. Ao rejeitá-la, Lula reforçou o que havia dito na véspera: não há ¿Plano B¿ na política econômica.

Na prática, porém, a questão não é tão simples. Lula está prestes a definir qual será o corte no Orçamento deste ano. Se ele optar pela contenção de R$ 20 bilhões defendida pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, estará adotando uma medida equivalente à alta do superávit primário. Isso porque R$ 20 bilhões são mais do que os técnicos consideram necessário para equilibrar o Orçamento.

Formalmente, entretanto, não se pensa em mexer na meta do superávit primário fixada para este ano, de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB).

Mantega vem brigando por um aumento informal do superávit porque vê, nessa medida, uma forma de reforçar argumentos contra uma eventual alta da taxa de juros. Já outros defensores da idéia acham que ela só funcionaria se o aumento da meta fosse formalizado - algo que, pela reação de Lula, não ocorrerá.

Os sinais emitidos pelo Banco Central de que a inflação tende a ficar acima do projetado, e por isso é cada vez mais clara a necessidade de elevar os juros, criaram na Esplanada uma verdadeira ¿tensão pré-Copom¿. Ontem pela manhã, Lula chamou Mantega e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para uma reunião no Palácio do Alvorada. O assunto não foi revelado. ¿Meu caro, esse é o tipo de conversa sobre a qual não falo¿, disse Lula.

O maior temor do ministro da Fazenda é que a alta dos juros aumente o ingresso de moeda estrangeira que vem ao País lucrar com o diferencial entre a taxa brasileira e a internacional. Os cortes nos juros promovidos pelo Federal Reserve (Fed) para conter a crise bancária agravaram o problema. Um aumento na taxa brasileira pioraria ainda mais o quadro. Com isso, o ¿derretimento¿ do dólar se aprofundaria e o País passaria a ter déficits em sua conta corrente com o exterior. Isso poderia tornar-se um ponto de vulnerabilidade para o Brasil, no cenário de crise internacional.

Para tentar reverter a alta dos juros, a equipe de Mantega tentou apresentar alternativas. Uma delas foi conter o crédito, principalmente para automóveis. O forte crescimento do consumo, acompanhado por uma taxa insuficiente de investimentos industriais, é o principal risco inflacionário apontado pelo BC. Lula, porém, não gostou da proposta, e ela foi engavetada. O aumento do superávit primário é outra alternativa. Ele é defendido por economistas como Luiz Gonzaga Belluzzo, que atua como uma espécie de conselheiro de Lula, e por João Paulo dos Reis Velloso.

O Ministério da Fazenda também passou a reunir argumentos. Uma apresentação do secretário de Acompanhamento Econômico, Nelson Barbosa, mostra que o aumento recente da inflação se deve a choques de oferta e ao preço das commodities, e não às pressões de demanda, como alega o BC. Excluindo o leite e o feijão, por exemplo, a inflação dos 12 meses cairia de 4,6% para 3,9%.

Apesar do arsenal de argumentos contrários, os técnicos do governo admitem que dificilmente a cúpula do BC voltará atrás em sua decisão de elevar a taxa de juros na próxima reunião do Copom. ¿O discurso técnico construiu a inevitabilidade do aumento da Selic. Isso foi uma estratégia política¿, diz um assessor da Casa Civil.

ALTERNATIVAS

MINIPACOTE CAMBIAL

O que é: cobrança de IOF de 1,5% sobre aplicações estrangeiras em renda fixa

Para que serve: tornar menos atraente o ingresso de dinheiro no País para lucrar com o juro interno elevado

Status: foi implantado

AUMENTO DO SUPERÁVIT PRIMÁRIO

O que é: o governo corta o Orçamento em um volume maior do que o necessário para equilibrá-lo

Para que serve: reduz a injeção de dinheiro na economia, dando menos combustível para a inflação

Status: oficialmente negado, mas pode ser feito informalmente

CONTENÇÃO DO CRÉDITO

O que é: aumentar a taxação ou cortar o número de prestações do crediário

Para que serve: diminui a demanda, que puxa os preços para cima

Status: engavetado, porque Lula não gostou

Por que a Fazenda acha que não precisa subir o juro:

Porque o consumo, embora elevado, não está causando inflação. Os automóveis subiram apenas 2,48% em 12 meses. Os aparelhos de TV, som e informática tiveram queda de 9,8% nos preços

Porque, tirando o impacto da alta do preço do feijão, a previsão do índice de inflação cai de 4,6% (acima do centro da meta definida, que é 4,5%) para 4,2%

Porque o crescimento não impediu o Brasil de cumprir a meta de inflação nos últimos quatro anos.

Porque os investimentos, que ampliam a produtividade e reduzem a inflação, estão ¿robustos¿

Inflação e crescimento são determinantes para os rumos da taxa de juros no Brasil . Acompanhe nesta quinta, 3, a divulgação de indicadores no portal Estadão:

Inflação ao Consumidor da Fipe (IPC) de março

Dados da indústria de fevereiro calculados pela CNI