Título: Sarkozy quer reforçar relação com EUA e defesa européia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2008, Internacional, p. A14

George W. Bush iniciou uma viagem à Europa. Uma viagem crucial, já que restam ao presidente americano menos de dez meses no cargo. Bush chegou ontem à Ucrânia. Amanhã, estará na capital romena, Bucareste, para a reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). No domingo, terá um cara-a-cara às margens do Mar Negro com o presidente russo, Vladimir Putin, que também está no final do mandato. Bush espera, antes de deixar a Casa Branca, consolidar as relações entre os Estados Unidos e seus diferentes parceiros, a Rússia com certeza, mas também todos os aliados europeus. A reunião da Otan em Bucareste permitirá à França mostrar sua devoção em relação a Washington. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, anunciará seu desejo de assegurar o retorno da França ao seio da estrutura integrada da Aliança Atlântica. Uma mudança brutal, pois foi o general Charles de Gaulle que, há meio século, distendeu os laços franceses com a aliança. Ao mesmo tempo, Sarkozy vai anunciar que a França enviará reforços (mil soldados suplementares) para o Afeganistão, para ajudar a restabelecer a segurança, pois os 60 mil homens que a Otan mantém no país são claramente incapazes de pôr fim ao terror do Taleban. Esse aumento da presença francesa no Afeganistão era esperado. A medida foi confirmada por Sarkozy quando de sua viagem a Londres, na semana passada. A oposição rapidamente se mobilizou. Por que tanto furor contra Sarkozy? Em primeiro lugar, existe uma questão de forma. Um gesto dessa natureza (enviar soldados franceses para a guerra) é grave. Ora, Sarkozy tomou essa decisão sozinho. Não se dignou a consultar os deputados. Pior: em vez de fazer o anúncio em Paris, ele o fez durante uma viagem a Londres! Portanto, nova cacofonia. Houve tanto tumulto que Sarkozy precisou aceitar que o envio de reforços para o Afeganistão seja objeto de um debate no Parlamento. Contudo, será um debate sem votação, pois a Constituição francesa é uma das únicas no mundo a permitir que o chefe de Estado envie soldados ao exterior sem se reportar ao Poder Legislativo. Sarkozy está em busca de um grande sonho: romper radicalmente com a diplomacia de todos os seus predecessores, de De Gaulle a Jacques Chirac. Ele quer que a França volte a ser uma aliada dos EUA, uma aliada entusiasmada, constante e eternamente fiel. E, dessa lealdade, Sarkozy espera recompensas. O presidente quer que, em troca, os EUA aceitem enfim que os europeus façam avançar, simultaneamente, a constituição de um sistema de defesa europeu comum e autônomo. Essa é a grande idéia de Sarkozy. Ele acha indispensável uma 'defesa européia comum'. Ora, até agora, os EUA, por intermédio da Otan, sempre bloquearam esse tipo de projeto. Mantiveram a Europa num estado de 'infantilização militar'. Será que o plano de Sarkozy será aceito pelos franceses? Provavelmente. Mas são previstos gritos e alaridos. À esquerda e à direita. Os 'resmungões do gaullismo' já se levantam para denunciar o 'desvio atlantista' de Sarkozy. E lamentam que Paris abandone sua independência. Nessa questão, os socialistas se encontram estranhamente lado a lado com os sobreviventes do 'gaullismo', com a mesma desconfiança em relação aos EUA.

*Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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