Título: A estratégia Dilbert
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2008, Economia, p. B3

Qualquer pessoa que tenha trabalhado em uma grande organização - ou, sobre esse assunto, leia as tiras de quadrinhos do Dilbert - está familiarizada com a estratégia do ¿Organograma¿. Para ocultar a falta de uma real idéia sobre o que fazer, os administradores às vezes fazem uma grande exibição de uma nova reorganização das caixas de funções do organograma que mostram quem se reporta a quem. Agora você pode entender o princípio que norteia a nova proposta da administração Bush para uma reforma financeira, anunciada oficialmente hoje (ontem): trata-se de criar uma aparência de que se está respondendo à crise atual, sem que, na verdade, alguma coisa sólida esteja sendo feita.

Os eventos financeiros dos últimos sete meses, e especialmente os das últimas semanas, convenceram alguns ultraconservadores de que o sistema financeiro dos Estados Unidos precisa de uma grande reforma. Do contrário, continuaremos cambaleando de crise em crise, e essas crises serão cada vez mais fortes.

O socorro financeiro ao Bear Stearns, em particular, foi um fato que simboliza a mudança de paradigmas. Os bancos tradicionais de depósitos estão regulamentados desde a década de 30 porque a experiência da Grande Depressão mostrou como as falências bancárias podem ameaçar toda a economia. Supostamente, contudo, instituições ¿não depositárias¿, como o Bear, não precisariam ser regulamentadas porque a ¿disciplina do mercado¿ asseguraria que fossem administradas com responsabilidade.

Mas, quando as coisas foram de mau a pior, o Federal Reserve não ousou deixar que a disciplina do mercado seguisse o seu curso. Ao contrário, correu em socorro do Bear, arriscando bilhões de dólares dos contribuintes, porque temia que o colapso dessa importante instituição financeira colocasse em perigo todo o sistema financeiro.

Se instituições financeiras como o Bear recebem o tipo de ajuda que anteriormente se limitava a bancos de depósitos, a implicação parece óbvia: como os bancos, também devem ser submetidas a regulamentação.

A administração Bush, no entanto, passou os últimos sete anos tentando suprimir a fiscalização governamental do setor financeiro. De fato, o novo plano foi originalmente concebido para ¿promover um setor de serviços financeiros competitivo liderando o mundo e apoiando uma contínua inovação econômica¿. É uma linguagem de banqueiro para se livrar de regulamentos que incomodam as grandes operadoras financeiras.

Agora, para reverter o curso e tentar chegar a uma regulamentação mais expandida, a administração precisaria recuar da sua ideologia do livre mercado - e também encarar o fato de que estava errada. Esta administração nunca, jamais, reconhecerá que cometeu um erro.

Portanto, na minuta do discurso do secretário do Tesouro, Henry Paulson, declara que: ¿Não acredito que é justo ou correto responsabilizar nossa estrutura regulatória pela atual confusão.¿

Efetivamente, segundo o novo plano, a regulamentação se limitará a instituições que recebem garantias federais explícitas - ou seja, instituições que já estão regulamentadas e não são a fonte dos problemas verificados hoje.

Quanto ao resto, ele declara despreocupadamente que ¿a disciplina do mercado é a ferramenta mais eficaz para limitar o risco sistêmico¿. A administração, portanto, não aprendeu nada com a atual crise. Mas, por uma questão política, precisa fingir que está fazendo algo.

Dessa maneira, o Tesouro anunciou com grande pompa - você sabe o que vem por aí - seu apoio a uma redistribuição dos quadros do organograma. A OCC (Agência de Controle da Moeda), OTS e CFTC (Comissão reguladora de Operações Futuras com Matérias-primas) estão fora. PFRA e CBRA estão incluídas. Quem se importa?

Essa reorganização fará alguma diferença? Vi, decepcionado, algumas agências de notícias informarem como verdade a história inventada pela administração de que a falta de coordenação entre as agências regulamentadoras tiveram um peso importante nos nossos atuais problemas. A verdade é que isso não ocorreu, absolutamente. Na verdade, as várias agências reguladoras tiveram uma ação coordenada. Infelizmente, coordenaram na direção errada.

Por exemplo, em uma foto oficial, de 2003, autoridades das diversas agências usavam tesouras de podar e motosserras para cortar em pedaços as estacas dos regulamentos bancários. A ocasião simbolizava a determinação dos nomeados de Bush de suspender a supervisão dos bancos, exatamente quando o setor financeiro começava a perder o controle.

A administração Bush ativamente obstruiu a ação dos governos estaduais que tentaram proteger as famílias contra os empréstimos predatórios.

Então, o plano da administração será bem-sucedido? Não estou perguntando se conseguirá evitar crises financeiras futuras - não é esse o seu objetivo. A questão, ao contrário, é se conseguirá confundir a questão suficientemente para impedir uma reforma verdadeira.

Esperemos que não. Como disse, as crises financeiras dos EUA vêm crescendo cada vez mais. Há uma década, as perturbações do mercado que acompanharam o colapso do fundo hedge Long-Term Capital Management foram consideradas um acontecimento importante, assustador; mas, comparada com o atual terremoto, aquela crise foi um tremor de menor importância.

Se desta vez não reformarmos o sistema, a próxima crise poderá ser ainda pior. E eu realmente não quero viver uma reprise dos anos 30.

*Paul Krugman escreve para o `The New York Times¿

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