Título: Argentinos ficam sem carne pela primeira vez
Autor: Palacios, Ariel ; Guimarães, Marina
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2008, Economia, p. B8

Pela primeira vez em sua história, a cidade de Buenos Aires está totalmente sem carne bovina nos açougues e supermercados. Nem mesmo em situações de crise social, econômica ou política - como golpes de Estado, guerras civis, revoltas sociais e hiperinflação -, os moradores da capital argentina haviam enfrentado uma escassez de tal magnitude do principal item de sua alimentação diária.

Na opinião de especialistas, ainda que o locaute dos produtores agrícolas acabasse hoje, o abastecimento da cidade só seria normalizado no sábado. De acordo com Alberto Williams, presidente da Associação de Agougues da Capital, 95% dos estabelecimentos em toda a Argentina não têm carne para vender. Faltam também verduras, cujo desabastecimento chega a 50%, legumes, frutas e carne de frango.

O presidente do Centro de Empresas Processadoras Aviárias (Cepa), Alberto Domenech, calcula que a paralisação vai afetar a produção de frangos nos próximos seis meses. Na semana passada, por falta de milho e soja para alimentar as aves, empresas do setor sacrificaram 1,3 milhão de frangos com poucos dias de vida.

INFLAÇÃO

Por causa da falta de produtos, a inflação disparou nos últimos dias. Os preços da batata e da cebola, por exemplo, saltaram cerca de 250% nas últimas duas semanas. O secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, está pressionando os supermercados para que voltem atrás nos preços e restabeleçam os níveis anteriores à paralisação. Economistas independentes afirmam que a inflação de março poderia chegar a 3,5%, um recorde desde os tempos da crise que afetou o país em 2001 e 2002.

Além do abastecimento interno, a paralisaçãoe está colocando em colapso as exportações de produtos agrícolas, entre eles a soja. Segundo especialistas, todos os anos surgem na Argentina gargalos no transporte da soja que precisa ser levada aos portos do país. Isso porque o desenvolvimento do sistema de transporte argentino nunca acompanhou o crescimento exponencial na produção local de soja nos últimos dez anos - entre 1997 e 2007, a produção do grão saltou de 15 milhões de toneladas para 45 milhões de toneladas. Dessa forma, mesmo que o protesto dos produtores acabe, o número de caminhões será insuficiente para levar toda a produção.

Enquanto isso, várias empresas do setor agroindustrial ameaçam suspender operários. Na cidade de Roque Pérez, na província de Buenos Aires, 500 trabalhadores das indústrias avícolas foram enviados para suas casas, com o pagamento de apenas uma parte dos salários. Na província de Córdoba, a fábrica de bolachas da empresa Arcor - a maior do país - suspendeu suas atividades na sexta-feira.

Para complicar, com a redução drástica da comercialização dos produtos agrícolas, a perspectiva é que a arrecadação federal tenha uma queda abrupta. Especialistas dizem que a arrecadação de março poderia ter sido US$ 100 milhões maior se a paralisação não tivesse ocorrido. Mas o principal efeito será sentido agora em abril, mês em que a arrecadação sofreria uma queda de quase US$ 700 milhões.

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