Título: Outra oportunidade perdida?
Autor: Palacios, Ariel ; Guimarães, Marina
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2008, Economia, p. B8

Se em 2001 o panelaço foi urbano e da classe média despojada pelo corralito, em 2008, o panelaço foi do campo. Esse trânsito, dramático, de sete anos nos obriga a perguntar com inquietação: se ocorre na abundância, o que acontecerá quando chegarem, se chegarem, os tempos de aperto econômico?

Ainda se pode evitar a perda de uma nova oportunidade. Uma oportunidade de ser, finalmente, um país normal como o que se prometia em 2003. Um país que tenha aprendido com os próprios erros. Um país que pare de atrasar e de morder o próprio rabo com uma tenacidade e uma sandice surpreendentes. Já não importa a anedota, embora seja relevante. O que é realmente transcendente é que persiste a crise de representatividade e que o estilo de condução está questionado.

Da crise de representatividade há tantos exemplos cotidianos que é uma redundância dizer que a mediação política e institucional praticamente inexiste. Nem as organizações rurais, neste caso, nem o establishment do sistema político estão tendo a capacidade, a inteligência e a generosidade de resolver o mais grave conflito desde 2003. Uns porque foram alijados por suas bases e porque o protagonismo nos cortes, mais a notoriedade midiática que hoje fabrica um líder e amanhã o sepulta, desnudaram uma situação que nem o mais febril agitador revolucionário poderia imaginar na Argentina: as bases do campo, rebeladas, intransigentes e sem condução.

Nesse grosso caldo, cozinham-se outros ingredientes típicos da instabilidade argentina: intenções políticas, querelas ideológicas e de todo tipo. Ali também se armam revoluções. Muitas tragédias foram cozidas com a mesma receita. E os que ainda ontem fracassaram, sentem-se hoje autorizados a pegar as mesmas panelas que lhes foram atiradas, em uma porta giratória fatal agora não apenas para a política, mas para toda a sociedade.

Os ruralistas sentem-se despojados por uma política agrária equivocada.

Cristina Kirchner sustenta que quer distribuir a renda e que isso não é indolor. A presidente argentina deveria mostrar resultados rapidamente para que isso não seja apresentado como voracidade fiscal.

O governo deve escutar, deve saber escutar. E admitir que há dissidentes e setores que não estão - e nunca estarão - de acordo com a política oficial. É assim a democracia.

Quando se denunciam as provocações, é preciso também evitar as próprias, como as patotas (bandos de arruaceiros violentos).

O esvaziamento dos estratos intermediários - o Congresso, salvo uma declaração forçada, esteve ausente - converteu esse conflito numa luta entre ruralistas sem direção e a presidente. Um disparate político. Por que isso ocorre?

Seria bom revisar o estilo de governo hiperconcentrado e sem nenhum debate. Não há outra idéia que não seja o confronto? Uma negociação é excelente quando as partes sentem que ganharam algo e que cederam uma parte para que o outro se sinta satisfeito. Esse é o melhor resultado. Uma negociação, em democracia, não joga com as instituições. Elas são respeitadas do lado do poder e do lado do campo.

O campo deveria sabê-lo e o governo também. Existe uma oportunidade, ainda. Seria lamentável tornar a perdê-la.

*Ricardo Kirschbaum é editor-geral do Clarín

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