Título: Roraima em pé de guerra
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2008, Notas e Informações, p. A3

O risco de que haja um violento confronto entre forças da Polícia Federal (PF), fazendeiros e índios na reserva indígena Raposa Serra do Sol é real e iminente. É preciso, portanto, que as autoridades que determinaram a remoção de quem não é índio da reserva, com o uso de força policial, revejam essa decisão e negociem a retirada pacífica dos fazendeiros da região - já que não parece haver possibilidade alguma de se revogar o ato que transformou em reserva indígena uma área de 1,747 milhão de hectares onde há anos se instalaram rizicultores.

Na quinta-feira, o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior, e os deputados estaduais assinaram uma carta pedindo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que suspenda a operação de retirada até que o Supremo Tribunal Federal julgue todos os recursos impetrados pelos fazendeiros, a respeito da legalidade da demarcação da reserva e de sua expulsão da área. As autoridades estaduais sabem que a tensão na Raposa Serra do Sol é crescente e pode degenerar em grave conflito. O deputado federal Márcio Junqueira (DEM-RR), que está em Boa Vista, dá uma indicação do ponto a que chegou a crise, ao dizer que haverá sangue em Roraima se o governo Lula não suspender a operação da Polícia Federal.

Mas as autoridades, em Brasília, não parecem dispostas a negociar ou contemporizar. No Ministério da Justiça, o governador José de Anchieta Júnior só chegou até o secretário-executivo, Luiz Paulo Barreto, a quem entregou a carta assinada por ele e pelos deputados estaduais. E obteve uma pronta resposta: o governo federal não recuará, ou seja, não cancelará nem adiará a operação de retirada. E o argumento para não esperar que se esgotem os recursos judiciais é que, desde 2005, quando o presidente Lula homologou a reserva, que havia sido criada pelo governo FHC, os fazendeiros foram derrotados em todas as ações que impetraram na Justiça.

O fato é que a Polícia Federal está, aos poucos, reunindo no local 500 agentes e membros da Força Nacional de Segurança para retirar quem não for índio da Reserva Raposa Serra do Sol. Os fazendeiros preparam-se para resistir à retirada forçada. Queimaram várias pontes, para dificultar o acesso dos policiais a suas propriedades, e já tiveram pelo menos uma escaramuça contra 30 policiais, felizmente equipados apenas com sprays de pimenta, gás lacrimogêneo e armas com balas de borracha. E os próprios índios estão divididos. Uma parte quer a expulsão dos ¿brancos¿. Mas um grupo de 40 macuxis se uniu aos fazendeiros, e espera ser engrossado por mais 300 índios, que preferem conviver com os ¿brancos¿ a depender exclusivamente da Funai.

O coordenador da força policial assegura que ¿a PF não está aqui para fazer qualquer tipo de violência. Estamos em operação de paz, para evitar qualquer problema na retirada dos não-índios da terra indígena¿. Mas os arrozeiros não querem sair e pretendem resistir a qualquer tentativa de expulsão. E os índios que não querem compartilhar as terras, por sua vez, deram às autoridades prazo até o fim de abril para retirar os ¿brancos¿ da reserva. ¿Cansamos de esperar e, se o governo não agir agora, nós vamos lutar. Sabemos morrer, mas também sabemos matar¿, ameaça o coordenador do Conselho Indígena de Roraima, Dionito José de Souza.

Esse conflito é o resultado de uma malsinada política de demarcação de terras indígenas, conduzida sem critérios mínimos de objetividade e realismo. Aos ianomâmis, por exemplo, atribuiu-se uma vasta reserva que abrange a faixa de fronteira - o que cria um evidente problema de segurança nacional, agravado pelas manifestações de ONGs nacionais e estrangeiras que, de tempos em tempos, defendem a tese da ¿autonomia das nações indígenas¿. Existem hoje 600 terras indígenas, que abrigam 227 tribos, com um total de aproximadamente 480 mil pessoas. Esse latifúndio equivale a nada menos do que 13% de todo o território nacional. No caso de Roraima, 44 mil índios, em 32 reservas, ocupam 46% do território estadual.

Essa imensidão de terras, muitas delas confundindo-se com as fronteiras nacionais, foi concedida aos índios sem muita reflexão e, freqüentemente, sob pressão de entidades internacionais. Os índios e sua cultura precisam ser protegidos, sem dúvida. Mas não por uma política de demarcação que é potencialmente desagregadora da unidade nacional.

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