Título: O amadurecimento do MPF
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2008, Notas e Informações, p. A3

O balanço das atividades desenvolvidas nos últimos anos pelo Ministério Público Federal (MPF) revela que a instituição amadureceu. A instituição foi criada pela Constituição de 88 a partir do desdobramento da antiga Procuradoria-Geral da República, cujos integrantes acumulavam duas funções conflitantes: eles tinham de atuar como promotores, zelando pela probidade na administração pública, e como advogados do governo, na Justiça Federal.

Para acabar com essa contradição, os constituintes criaram a Advocacia-Geral da União (AGU), atribuindo-lhe a tarefa de promover a defesa judicial do governo no Poder Judiciário, e deixaram para a Procuradoria-Geral da República as funções de Ministério Público, concedendo-lhe autonomia funcional e administrativa para fiscalizar a ordem jurídica, zelar pelo regime democrático e defender os chamados ¿interesses sociais e individuais indisponíveis¿.

O problema é que, nos primeiros anos de vigência da nova ordem constitucional, alguns procuradores das instâncias inferiores do MPF, agindo com propósitos político-partidários, optaram pelo ¿denuncismo¿ desenfreado e irresponsável propondo ações cíveis e criminais contra empresários, ministros de Estado e até o presidente da República.

Como a maioria das denúncias não tinha provas materiais e nem fundamento jurídico, elas acabaram sendo arquivadas pela Justiça, o que comprometeu a credibilidade do MPF e o levou a entrar em rota de colisão com o STF. Em diversas ocasiões os ministros da mais alta Corte do País criticaram de modo contundente os métodos de trabalho de procuradores das instâncias inferiores. A situação chegou a tal ponto que alguns procuradores foram processados pelas pessoas que denunciaram de modo infundado e leviano. O caso mais conhecido é o que envolve o então secretário-geral da Presidência da República, Eduardo Jorge Caldas Pereira. Em 2000, ele foi acusado de corrupção por dois membros do MPF vinculados ao PT, cujo verdadeiro objetivo era atingir o presidente Fernando Henrique. Eduardo Jorge afastou-se do cargo, abriu seu sigilo fiscal e bancário, comprovou a falsidade das acusações, foi absolvido e processou os dois procuradores por dano moral, tendo sido vitorioso na Justiça.

Desde então, a cúpula do MPF tomou várias medidas para recuperar a credibilidade do órgão. O último chefe, Cláudio Fontelles, e o atual, Antonio Fernando de Souza, determinaram aos seus subordinados que só façam denúncias com base em provas documentais ¿robustas¿ e trabalhem em colaboração com a Polícia Federal e a Receita Federal. Para restabelecer a hierarquia funcional, exigiram que os procuradores reduzissem ao máximo as declarações à imprensa. ¿Quem fala pela instituição do MPF é o procurador-geral da República¿, diz Fontelles. Nas ações mais importantes contra o governo, afirma Souza, ¿as atribuições são minhas¿.

A estratégia adotada por Fontelles e Souza parece ter dado certo. Nos últimos dois anos, o ¿denuncismo¿ foi sendo substituído pelo profissionalismo e pela competência. Entre 2003 e 2005, Fontelles pediu ao STF a abertura de 44 inquéritos e ofereceu 58 denúncias, envolvendo dirigentes autárquicos, parlamentares e ministros. Entre 2005 e 2008, Souza ofereceu 33 denúncias, entre as quais os processos do ¿mensalão¿, e pediu abertura de inquérito contra todos os parlamentares governistas e situacionistas acusados na Operação Sanguessuga da Polícia Federal. As relações com o STF foram distensionadas e, além do combate à corrupção, o MPF obteve vitórias judiciais em casos importantes. Em 2007, o órgão pediu ao Banco Central a alteração das tarifas bancárias, o que resultou numa nova regulamentação para o setor financeiro, e provocou a revisão das tarifas nos pedágios. Atualmente, estuda medidas para questionar as tarifas de telefonia.

O balanço do MPF mostra que, com atuação discreta e técnica, só nos últimos três anos o órgão pediu a abertura de mais inquéritos do que nos dez anos anteriores. O amadurecimento institucional do MPF reforça o Estado de Direito e, por tabela, o regime democrático.