Título: Brasil entra na rota da migração de estrangeiros aposentados
Autor: Carelli, Gabriela
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2008, metropole, p. C8
País é o novo destino de idosos que deixam nações desenvolvidas para viver em paraísos tropicais
A onda cinza do envelhecimento da população mundial atingiu a costa brasileira. O Brasil é o mais novo e promissor destino para aposentados de países desenvolvidos dispostos a deixar seus países para viver em paraísos tropicais. Empreendimentos para estrangeiros com mais de 60 anos, inspirados nos existentes no Estado americano da Flórida, começam a ser erguidos no litoral do Nordeste. São esperadas, nos próximos anos, 6 mil unidades para atender a uma terceira idade saudável, cheia de energia - e de dólares, euros e ienes - para gastar.
O processo de ¿floridificação¿ da área costeira nacional, ainda em fase embrionária, é diferente da exploração que se deu no Nordeste por europeus interessados em adquirir imóveis para passar férias, a chamada segunda residência. É um desdobramento de uma movimentação demográfica que redesenhou cidades do Sudeste Asiático e da América Central nos últimos dez anos: a migração internacional de idosos. Asiáticos, europeus e americanos são os protagonistas do fenômeno. Centenas de milhares deles cruzaram fronteiras e têm a moradia principal em outras regiões do planeta.
A invasão grisalha no País é muito recente - começou a ser detectada pelos pesquisadores nos últimos anos -, mas já é relevante. No Ceará, por exemplo, o número de estrangeiros residentes aumentou 60% em três anos - e a maioria tem mais de 50 anos. ¿Grande parte dos empreendimentos em construção no Rio Grande do Norte visam aos europeu aposentados¿, diz um dos estudiosos do assunto, o arquiteto Ronald de Góes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Estavam previstos, no ano passado, 376 deles. ¿A terceira idade é o maior filão imobiliário atual do litoral brasileiro¿, afirma Góes.
Não à toa os investidores estão de olho em trechos dos 8 mil quilômetros da costa brasileira. O número de aposentados de países desenvolvidos não pára de crescer. A população com mais de 60 anos de Estados Unidos, Japão, Coréia do Sul , Taiwan e China, que totalizou 326 milhões de pessoas em 2006, de acordo com o instituto Healthcare Coalition, deve subir para 425 milhões em 2015. E boa parte dessa multidão não está disposta a passar o resto da vida nas grandes metrópoles - onde a vida é cara, há violência, poluição e trânsito demais.
Os idosos que aportaram em terras brasileiras concentram-se principalmente no Ceará, na Bahia e no Rio Grande do Norte. A maioria mora em condomínios híbridos - onde os que vieram para ficar dividem espaço com turistas.
PORTUGUESES
Os primeiros a chegar foram, novamente, os portugueses. Eles formam o maior grupo de forasteiros da terceira idade no País. Também são os que têm maior interesse em vir para cá atualmente. No consulado do Brasil, em Lisboa, o número de pedidos de autorização de residência por aposentados dispostos a deixar a ¿terrinha¿ aumenta a cada dia.
De malas prontas para o Brasil, à espera da documentação, está o funcionário público aposentado Antônio Brehm. Com 80 anos, está confiante de que conseguirá, em breve, realizar o sonho de morar em Fortaleza. Se tudo der certo, sua aposentadoria em euros permitirá a ele comprar um terreno imenso, onde pretende construir uma escola para ensinar crianças carentes e passar seu tempo livre. ¿Em Portugal, não há espaço para se fazer nada, nem físico, nem social. O Brasil é o futuro. Isso aqui é passado¿, diz.
Seis mil quilômetros distantes de Brehm, do lado de cá do Atlântico, estão os aposentados Antônio Mendes, de 65 anos, e sua mulher Rosa, de 63. Donos de uma casa em Morro Branco, a 80 quilômetros de Fortaleza, eles conheceram o Ceará durante as férias de 2004. Bastou um ano para eles decidirem deixar Portugal. ¿Não tivemos dúvida. Pedimos o visto de residentes, procuramos uma casa e arrumamos as malas¿, diz Rosa. ¿Trabalhamos duro a vida inteira - eu como bancária, meu marido como funcionário público. Nosso sonho era passar o resto da vida em um país assim.¿
Os laços culturais e a facilidade com o idioma estimulam a vinda dos portugueses, mas eles não são os únicos interessados. Há ingleses de olho na Bahia, espanhóis sonhando com o Rio Grande do Norte, noruegueses, islandeses, italianos e até japoneses interessados em uma casa à beira-mar confortável, barata e banhada pelo sol. É o caso da italiana Rosalia Zammariello, de 75 anos, que trocou o frio de Roma por uma velhice ensolarada em Natal. ¿Na Itália, as pessoas são estressadas demais¿, diz.
ESTILO DE VIDA
Vários fatores contribuem para fazer do Brasil um novo pólo de aposentados. O primeiro é o baixo custo de vida. Um imóvel em uma praia do Nordeste pode custar US$ 50 mil - na Malásia, um dos principais redutos de aposentados no mundo, o valor de um similar é quatro vezes maior. Com o mesmo dinheiro, compra-se um apartamento de um dormitório nas Filipinas, outro paraíso dos idosos. No México, uma casa na praia sai pelo dobro do valor.
A renda dos idosos europeus, cerca de 3 mil mensais, permite ao residentes no Nordeste um estilo de vida impensável na Europa. ¿A maioria dos que me procuram diz que, com a aposentadoria, viveriam em apartamentos apertados, na periferia de Lisboa¿, diz o corretor cearense Arnaldo Vidal.
A proximidade entre o Nordeste brasileiro e o continente europeu - e a ampliação do número de vôos para a Europa - também conta pontos na hora de escolher o novo lar. ¿Os idosos que vivem em outro país querem saber que podem voltar para casa a qualquer momento¿, explica a pesquisadora Maria do Livramento Clementino, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A inexistência de catástrofes naturais é outra vantagem brasileira. O medo de tsunamis e de terremotos afasta os aposentados da Ásia e da América Central.
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