Título: Maior corte da era Lula
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/04/2008, Economia, p. 19

Para evitar que o Banco Central eleve juros, governo segura R$19,4 bi em gastos

Gustavo Paul

OExecutivo federal deu ontem um sinal concreto de que pretende dar sua contribuição para evitar o aquecimento expressivo da economia e anunciou um corte de R$19,4 bilhões nas despesas do Orçamento de 2008. É o maior valor de contingenciamento anunciado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu em 2003. A extensão do corte não foi detalhada, mas o número converge com a operação "segura-gastos" anunciada na semana passada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Em uma cerimônia no Palácio do Planalto, ele divulgou um corte de R$20 bilhões como forma de "vigiar os gastos correntes, que aumentam a demanda agregada" e pressionam a inflação.

O recado tem destino certo: evitar que o Banco Central cumpra a ameaça de aumentar a taxa básica de juros na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da próxima semana. Os gastos do governo representam 20% da demanda da economia. A decisão é uma vitória de Mantega, que defendia um corte maior do que o pretendido pelo colega do Planejamento, Paulo Bernardo, que trabalhava com três cenários, começando em R$14 bilhões. Coube a Lula bater o martelo. Sensível à questão dos juros, apoiou o ministro da Fazenda.

Em uma nota curta e pouco explicativa, o Ministério do Planejamento limitou-se a justificar o corte pelas conclusões do primeiro relatório de receitas e despesas de 2008. As projeções fiscais atualizadas apontam um aumento da receita de R$3,3 bilhões, em relação à receita corrente de R$709,047 bilhões aprovada no Congresso em março.

INSS tem déficit estimado em R$43 bi

Esse aumento, diz a nota oficial, deve-se à estimativa maior de aumento da receita com a Cofins e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), cujas alíquotas foram majoradas no dia 2 de janeiro, para compensar o fim da CPMF. O Congresso já havia incorporado a expectativa inicial de aumento de R$10 bilhões com esses impostos.

Por outro lado, a reestimativa oficial ampliou as despesas em R$16,9 bilhões. De acordo com o texto do Planejamento, esse aumento está concentrado nas seguintes despesas: "abono e seguro-desemprego, subvenções, subsídios e Proagro (Programa de Garantia da Atividade Agropecuária), fundos de desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste e créditos extraordinários". O Proagro garante ao produtor um valor complementar para pagamento do custeio agrícola, em casos de ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam bens, rebanhos e plantações.

O Planejamento também reestimou o déficit do INSS: ele será R$2,8 bilhões superior ao previsto na lei. Essa variação deve-se ao aumento do salário mínimo para R$415, enquanto os parlamentares previram ajuste para R$412,40. Além disso, os benefícios superiores ao piso tiveram ajuste de 5%, a partir de abril. O déficit esperado este ano passou para R$43 bilhões.

Outra razão para o corte recorde no Orçamento foi a necessidade de adequar as contas para atingir o superávit primário (economia para pagar juros) de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). Quando o projeto foi enviado ao Congresso, em setembro, o PIB nominal estava previsto em R$2,744 trilhões. Depois, as reestimativas feitas pela equipe econômica elevaram esse valor para R$2,819 trilhões. Dessa forma, a contribuição do governo central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central) à meta global passou de R$60,4 bilhões para R$62,4 bilhões, e a das estatais, de R$17,8 bilhões para R$18,4 bilhões.

CNI: consumidor comprará mais

O corte cobre o rombo de R$40 bilhões resultante do fim da CPMF e, na prática, significará fazer um superávit primário além dos 3,8% do PIB. A estratégia é ajudada pelo aumento de receitas. No primeiro bimestre, a arrecadação federal chegou a R$110,740 bilhões - alta de 15,57% sobre 2007 e maior valor já obtido no período.

Do outro lado, continua forte a demanda por consumo no país. Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o brasileiro pretende manter o ritmo acelerado de compras. Em março, o Índice Nacional de Expectativa do Consumidor (Inec), medido a cada três meses, alcançou 109,1 pontos, com alta de 1,1% em relação ao fim do ano e de 3,1% frente ao mesmo período de 2007. É um recorde para o primeiro trimestre e o terceiro melhor desempenho da série iniciada há nove anos, perdendo apenas para setembro e dezembro de 2006.