Título: A supertele terá de brigar para se destacar
Autor: Irany Tereza; Brandão Junior, Nilson
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2008, Economia, p. B9

Em defesa da compra da BrT pela Oi, Rosa diz que, fora a lógica empresarial, o acordo evita a formação de duopólio na telefonia

O presidente da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), Sérgio Rosa, considera um movimento natural de mercado a incorporação da Brasil Telecom (BrT) pela Oi. Apesar das resistências em comentar um negócio ainda em andamento, ele aceitou falar ao Estado, apenas em tese, sobre o mercado de telefonia. Em defesa do acordo, ele alega que, além da lógica empresarial, a formação de um grupo de telefonia nacional seria capaz de evitar a formação de um duopólio, que considera inevitável no atual quadro, com o domínio dos espanhóis, da Telefónica, e dos mexicanos, do grupo de Carlos Slim, que controla a Embratel e a Claro. Cauteloso, esquivou-se de perguntas sobre os detalhes operacionais e financeiros do acordo. Admitiu, contudo, que a chamada ¿supertele¿ não nascerá como campeã natural no setor. Terá de brigar aguerridamente por um lugar de destaque, o que vai exigir um agressivo plano de investimentos. Rosa parece o caso típico de ex-militante de esquerda (começou a militância na clandestina Libelu) que vive agora conectado ao mundo dos negócios. Durante os anos de faculdade de Jornalismo, na USP, participou do movimento estudantil.

Já no BB, virou sindicalista, filiado à CUT. Hoje, comanda o principal investidor institucional do País, o fundo do próprio banco, com patrimônio de R$ 138 bilhões e participação nas maiores empresas brasileiras. Esteve envolvido nos últimos meses nos dois principais negócios recentes do capitalismo brasileiro. Além do processo de criação da supertele, acompanhou os entendimentos para a compra da mineradora anglo-suíça Xstrata pela Vale, onde ocupa o cargo de presidente do conselho de administração. Veja a seguir, trechos da entrevista:

Por que a negociação Oi-BrT tem demorado tanto?

Depende do que você chama demorar. Os primeiros contatos foram feitos em dezembro. Há cinco anos se falava da possibilidade, mas a lógica da operação tem três meses. Quando fechamos o acordo com o Citi e o Citi destituiu o Opportunity, imediatamente as duas partes comunicaram que estavam em contato com a Italia Telecom para a venda da empresa (Brasil Telecom). Isso foi em 2005. Era a coisa mais lógica do mundo. A Italia Telecom tinha 38% do bloco de controle e dizia para todo mundo que tinha interesse em consolidar suas operações no Brasil. Ficamos muito surpresos quando isso acabou não acontecendo. Inverteu-se a mão e eles se demonstraram mais vendedores do que compradores. Tivemos de negociar a aquisição da parcela da Italia Telecom, que foi concluída em 2007. Aí a gente teve de pensar: e agora, o que faremos com a empresa? Começamos a discutir alternativas quando surgiu essa.

Em algum momento você achou que o negócio Oi-BrT não iria sair?

As coisas não estão finalizadas. Em tese, aqui na Previ, a gente acredita nos fundamentos de certas operações. Quando os fundamentos econômicos são fortes, a gente sabe que isso tem uma força muito grande de resolver as dificuldades. Agora, por outro lado, em negociações complexas, às vezes, você tem 99% das questões acertadas e 1% de questões pendentes derrubam o negócio. A gente acreditava, por um lado, que o negócio fazia sentido. Ou seja, tem um racional econômico por trás dele muito forte. Por outro lado, a gente sabia que tinha muitos obstáculos a vencer. Ainda tem a própria questão regulatória para vencer.

Obstáculo interno é a disputa interna entre sócios?

Disputa interna entre os sócios, interesses de muitas partes diferentes, discussões de preço. Tudo isso é parte relevante em um negócio desse tipo. E ainda temos pela frente a questão regulatória.

O preço foi mesmo a primeira coisa a ser decidida?

Tenho dificuldade de dizer isso porque a transação não está fechada.

É que sempre se pensa que o preço é a última coisa a ser acertada...

Você sabe que não? Normalmente, na maior parte dos negócios, é muito trabalhoso você entrar nas discussões de detalhes. E se você não tiver uma visão, mesmo aproximada, de que o preço converge, dificilmente você entra na negociação dos detalhes. Só se começa a botar exércitos de advogados se há uma noção geral de que os valores entre comprador e vendedor se aproximam.

A sociedade não perde com a junção? A concorrência não diminui?

Eu acho que não. A gente tem um cenário no Brasil, concretamente, onde você tem a disparada muito grande de dois participantes desse mercado (telefonia). Eles, nitidamente, por várias razões, se consolidaram, sobretudo nas áreas de maior dinamismo, que é área de telefonia celular.

Você está falando dos espanhóis (Telefónica) e dos mexicanos (Embratel/Claro)?

É. E essas duas empresas (Oi e BrT), por restrições de capital, por serem empresas uma com problemas societários claros e a outra com mais dificuldade de acessar capital em condições adequadas, ficaram menores. A tendência, nos parece, com o cenário de hoje, e não havendo nenhuma alteração, está muito mais para um duopólio no futuro.

Essas empresas (Oi e BrT) iriam ser compradas, no final das contas?

Na manutenção desse quadro, provavelmente. A área de telefonia fixa é de monopólios regionais, por enquanto. Na verdade, ter hoje uma, duas ou três empresas de telefonia fixa faz pouca diferença. Ninguém concorre na área do outro. Em celular, todo mundo concorre com todo mundo. E há uma tremenda concentração. Dos 120 milhões de celulares hoje no Brasil, a Oi e a BrT têm 20 milhões. Duas das quatro grandes empresas têm um sexto desse mercado.

Então não bastaria as duas empresas se juntarem. Elas têm de ter um plano de investimento muito agressivo, para enfrentar os outros dois.

Tem de ter plano de investimento. Para equilibrar, né? Para equilibrar, talvez, a parada. Mas, enfim, efetivamente, a possível junção das duas cria alguma base para isso.

A Oi e a BrT agüentam as despesas da reestruturação e um plano de investimento? Se elas se juntarem e continuarem menores ainda não correm o risco?

Vai ser uma disputa. Ninguém está dizendo que está criando um campeão natural, não. A possibilidade de as duas estarem juntas cria um bom competidor, não um campeão natural. Até porque esse mercado cada vez mais depende do posicionamento global. Você tem de negociar tecnologia com os grandes fornecedores. Uma empresa com atuação global, internacional, tem muito mais força na negociação do que outra de base muito regional, muito localizada.

Internacionalizar é uma possibilidade?

É uma possibilidade. Mas, por favor, estou falando apenas em tese. Creio que se criam condições para isso. Quer dizer, não posso falar porque, obviamente, isso vai ser um planejamento que a empresa vai fazer. Em tese você cria uma possibilidade. Você aumenta as condições de planejar.

É fácil para a Previ resistir a pressões políticas em decisões negociais?

Primeiro, não ocorre dessa forma. Segundo, é muito fácil resistir porque hoje a gente está praticamente obrigado a resistir. A gente não consegue tramitar nenhuma decisão de investimento que não tenha estudo técnico, fundamentado. No passado, se você olhar a documentação que havia apoiando a decisão de investir em telefonia, vai ver a precariedade, independente de estar certo ou errado o investimento. Era praticamente uma recomendação do diretor para fazer aquela operação. Estudo técnico, estudo de preço, acordo de acionista, era tudo superfrágil. Hoje, para qualquer coisa que a gente vai fazer, a documentação é detalhada tanto por exigência interna, de regimento, quanto por sabermos que, numa fiscalização da Secretaria de Previdência Complementar, eles vão pedir isso. Então, eu não consigo passar adiante nenhuma proposta de investimento que não tenha embasamento.

A documentação a que você teve acesso mostra que a Previ entrou por decisão própria na BrT e foi colocada na Telemar? É isso?

Eu acho que a Previ participou voluntariamente do leilão. Acho que por uma decisão de bom negócio de investimento. Acho que a maneira como participou foi pouco, não foi bem analisada internamente. A maneira como entrou na BrT, por meio do fundo (do Opportunity), regulamento, condições depois de governança, tudo isso estava precariamente analisado. Posteriormente, surgiu a oportunidade de também participar na Telemar. Em função do ágio da Telemar, que era muito baixo, era uma oportunidade de negócios. Mas acho que também atendia a um interesse. Não dá para dizer tranqüilamente que (a Previ) foi empurrada, embora existam evidências não só internas, como sobretudo aqueles vazamentos dos grampos da época, e tal, de que havia, sim, partes interessadas no governo em que os fundos e, particularmente a Previ, aderissem a esse consórcio. Houve análise precária das conseqüências, tanto da estrutura de governança quanto do potencial conflito de interesses que no final acabou acontecendo e dificultando a presença da Previ nesses dois negócios.

E quando a Previ teve de escolher entre BrT e Telemar, por que optou pela BrT, quando o mercado esperava a opção pela Telemar?

Aí foi uma questão tática. A Anatel nos colocou a seguinte questão: tínhamos de suspender nossos direitos políticos, como participação em conselho, em acordo de acionistas e tomada de decisão em uma das duas companhias. Na Telemar, a gente não tinha nenhum histórico de conflito, como tínhamos na BrT. Tínhamos o Banco do Brasil e o BNDES com poderes societários importantes dentro do bloco de controle da Telemar. Não tínhamos tomado nenhum golpe dos sócios privados. Quer dizer, não era uma decisão crítica ficar afastado do conselho da Telemar. Já na BrT, era.

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