Título: Gastos crescerão mais do que o PIB
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2008, Economia, p. B2

É curiosa a discussão sobre o aumento do superávit primário para conter a demanda da economia e, desta forma, evitar a elevação da taxa de juro pelo Banco Central (BC). O debate surgiu no meio intelectual, com economistas heterodoxos buscando alternativas ao receituário conservador do BC. O governo mesmo nunca pensou nessa alternativa. Ao contrário, a preocupação atual do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é conseguir recursos adicionais para a área da saúde, que vive um momento particularmente delicado com o surto de dengue.

No início do seu segundo mandato, Lula recebeu uma proposta de política econômica que previa a adoção de uma série de medidas para a redução dos gastos correntes, com o objetivo de abrir espaço fiscal para os investimentos públicos. A idéia era realizar reformas estruturais na economia, como a mudança das regras da Previdência Social, de tal forma que os gastos correntes crescessem em ritmo inferior ao do Produto Interno Bruto (PIB). Lula rejeitou a proposta, com o argumento principal de que essa alternativa tinha sido derrotada nas urnas.

O comportamento das contas públicas este ano não reflete qualquer tipo de preocupação do governo com o controle da demanda. Ao contrário, os gastos estão crescendo de forma acelerada. No primeiro bimestre de 2008, as despesas do Tesouro Nacional aumentaram mais de 15% em relação a igual período de 2007. Nada indica que essa trajetória possa ser revertida ao longo do ano.

Mesmo sem a receita da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), a lei orçamentária prevê uma significativa elevação das despesas primárias da União este ano em relação às de 2007. Se não houver frustração da receita, os gastos primários deverão crescer, mais uma vez, em ritmo mais forte do que o PIB.

Em 2007, as despesas primárias da União - não incluem o pagamento de juros, amortizações de dívidas ou inversões financeiras - ficaram em 18% do PIB. A proposta orçamentária para 2008, encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional em agosto do ano passado, previa que os gastos subiriam para 18,91% do PIB. Com o fim da CPMF, o Congresso reduziu as despesas para 18,35% do PIB. Ou seja, mesmo sem a receita do imposto dos cheques, os gastos da União subirão este ano 0,35% do PIB.

A elevação das despesas em ritmo mais acelerado do que o PIB é compatível, de acordo com a lei orçamentária, com um superávit de 3,8% do PIB para este ano. Só em duas hipóteses os gastos não subirão mais do que o PIB: se o governo elevar o superávit primário ou se houver frustração das receitas da União, o que não parece provável diante do comportamento observado em janeiro e fevereiro.

Na semana passada, o presidente Lula não deixou dúvidas sobre essa questão. Negou, de forma veemente, que vá elevar o superávit primário. Esse foi um banho de água fria naqueles economistas que advogam a elevação do superávit para controlar a demanda agregada da economia e, com isso, evitar um aumento dos juros.

Esta semana, o governo deverá anunciar o contingenciamento das verbas orçamentárias, que poderá chegar a R$ 20 bilhões. Essa medida, no entanto, não tem qualquer significado econômico. Ela não passa de uma atitude cautelosa, uma vez que o governo não sabe qual será a trajetória da arrecadação ao longo de 2008. Por isso, precisa controlar os seus gastos no início do ano.

Essa medida é adotada todos os anos e não resulta da decisão de tornar a política fiscal menos expansionista. Mesmo porque, ao longo do ano, o governo sempre refaz as suas contas e reduz substancialmente o contingenciamento. O comportamento da receita nos primeiros meses deste ano mostra que o contingenciamento será abrandado até dezembro.

A lei orçamentária projeta uma arrecadação dos tributos federais de R$ 76,62 bilhões no primeiro bimestre deste ano. O resultado efetivamente obtido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) ficou em R$ 79,58 bilhões - ou seja, já existe um ¿excesso¿ de quase R$ 3 bilhões em comparação com o que está previsto na lei. Se essa trajetória for mantida, a receita da União, mesmo sem a CPMF, será suficiente para garantir uma forte expansão das despesas primárias.

Talvez o governo seja obrigado a fazer um superávit primário um pouco maior do que os 3,8% do PIB fixados para este ano, se o Banco Central vier mesmo a elevar a taxa de juro. A expectativa do mercado é que o BC aumentará os juros em 1 a 1,5 pontos porcentuais até dezembro.

Neste caso, a elevação do superávit poderá ser feita para compensar o aumento dos gastos com o pagamento dos juros, de tal forma que a trajetória da dívida pública continue em queda na comparação com o PIB. Esse pequeno aumento do superávit poderá ser feito na boca do caixa, da mesma forma como ocorreu em 2005, sem necessidade de alteração da meta.

O governo agiria bem se tornasse a sua política fiscal anticíclica, ou seja, se reduzisse os seus gastos em momentos de forte crescimento da economia e os aumentasse quando a economia desse sinal de desaquecimento. Mas esse não é o entendimento do presidente Lula.

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