Título: Ajuste insuficiente
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2008, Notas e Informações, p. A3

Com o ajuste no Orçamento Anual de 2008, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pretendia mostrar que o governo adotará um severo programa de cortes de despesas para assim enfraquecer o argumento do Banco Central de que a pressão da demanda, tanto do setor privado como do setor público, justifica elevar os juros. Os números do ajuste divulgados pelo governo revelam, no entanto, apenas uma acomodação de contas, e não cortes efetivos nas despesas.

À primeira vista, os números impressionam. Do total de despesas previsto na Lei Orçamentária Anual de 2008, o governo anunciou que contingenciará R$ 19,4 bilhões para compensar o fim da cobrança da CPMF. Antes, o governo falava num contingenciamento que variava de R$ 14,5 bilhões a R$ 19,5 bilhões. Optou pelo valor mais alto, o que aparentemente indica maior rigor na gestão de suas contas.

Esse valor tem sido apresentado como um corte a ser feito no Orçamento. Não é verdade. A própria nota do Ministério do Planejamento sobre o ajuste fala apenas em ¿redução nos limites de empenho e movimentação financeira¿ em relação ao Orçamento aprovado pelo Congresso. Trata-se, portanto, de um contingenciamento, um bloqueio temporário desses recursos. O contingenciamento no início do exercício, para adequar as despesas às estimativas de receita, é uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Se durante o exercício fiscal as condições permitirem, isto é, se a receita for suficiente, as verbas contingenciadas são liberadas. E a liberação tem sido a rotina desde 2001. Este ano, pelo lado da receita, o cenário continua muito favorável para o governo. A proposta de orçamento de 2008 foi montada levando em conta a cobrança da CPMF, cuja arrecadação seria de cerca de R$ 40 bilhões por ano. Com base na arrecadação tributária dos últimos meses, porém, o governo já estima que, mesmo sem a CPMF, o total arrecadado será maior do que o previsto na proposta orçamentária original. Normalmente, quando a proposta de orçamento tramita no Congresso, os parlamentares aumentam as projeções de receita para que na versão final do Orçamento possam caber suas emendas, que sempre implicam mais despesas. Mas, neste ano, pela primeira vez nesta década, o governo estima que terá uma arrecadação R$ 3,3 bilhões maior do que a prevista pelo Congresso.

É importante destacar que boa parte do valor total que está sendo contingenciado - nos próximos dias, o governo enviará ao Congresso as reestimativas de receitas e despesas, como exige a LRF - corresponde ao aumento de despesas de R$ 16,9 bilhões registrado no Orçamento. Incluem-se nesse aumento despesas obrigatórias, como seguro-desemprego, subsídios à agricultura, subvenções e transferências para os Fundos de Desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste, além de despesas criadas pelo governo, a título de ¿créditos extraordinários¿, por meio de medidas provisórias, basicamente para manter em andamento o Programa de Aceleração do Crescimento. Esses ¿créditos extraordinários¿ totalizam cerca de R$ 10 bilhões, ou cerca de 60% dos gastos adicionais.

Além desse aumento de despesas, o governo levou em conta o aumento estimado do déficit da Previdência, de R$ 2,8 bilhões, em decorrência do aumento do salário mínimo, que eleva o valor dos benefícios pagos pelo sistema, sem o correspondente aumento da receita. O governo decidiu, ainda, rever a decisão do Congresso de elevar em R$ 3 bilhões o superávit das empresas estatais, e transferiu essa responsabilidade para as contas do Tesouro. Isso tudo somado resultou numa projeção de gastos extras de R$ 22,7 bilhões. Como a receita deverá ser R$ 3,3 bilhões maior do que o previsto, o aumento líquido estimado de despesas ficou nos R$ 19,4 bilhões que estão sendo contingenciados. Esse é o ajuste contábil das contas federais.

Mas uma simples conta mostra que o Executivo teria folga para realizar cortes efetivos de despesas. Deduzindo do total contingenciado as despesas adicionais de R$ 16,9 bilhões, sobram R$ 2,5 bilhões - que é o valor líquido do ajuste, como mostrou o Estado na edição de terça-feira. É muito pouco para configurar o ajuste fiscal reclamado pela sociedade, e que abriria espaço para o alívio da política monetária.

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