Título: Acabar com embargo não levaria Cuba à democracia
Autor: Dias, Cristiano
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2008, Internacional, p. A25

Gordon diz que não é hora de mudar estratégia e assinala que abertura econômica reduziria chance de diálogo político na ilha

Um dos principais planejadores da política externa americana, David Gordon não vê grande disposição do regime cubano de promover reformas realmente democráticas na ilha. Ao mesmo tempo, considera positivo o fato de outros países da América Latina terem evoluído politica e economicamente, apesar do relativo afastamento dos EUA da região após os ataques de 11 de Setembro. Ele lembra ainda que Hugo Chávez tenta neutralizar a influência americana na região ¿utilizando recursos que estão fazendo falta aos venezuelanos¿.

Gordon assumiu seu posto em 2007, indicado pela secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice. Apesar da grande influência na formulação da política externa americana, Gordon trabalha praticamente no anonimato. Nesse estilo discreto, ele esteve no Brasil na semana passada para trocar idéias com diplomatas brasileiros e debater a relação bilaterais. Na sexta-feira, ele falou ao Estado.

Há 45 anos, os EUA impõem um embargo econômico a Cuba que em nada alterou a situação da ilha. Não é hora de rever essa política?

As mudanças políticas em Cuba acontecerão, mas temos de ter certeza de que a transição seja feita de maneira estável, ou seja, sem repressão. É claro que queremos ter uma relação normal com o governo cubano, mas a questão-chave é a disposição do regime comunista de promover uma abertura política e ter um diálogo com a população sobre o futuro do país.

Mas não existe abertura política na China, na Arábia Saudita, no Egito e, mesmo assim, os EUA têm uma boa relação com esses países. Qual a diferença?

Veja bem, quando você é um estrategista de política externa dos EUA tem de encarar cada situação de maneira diferente. Ao mesmo tempo que promovemos valores democráticos e liberdade política, estamos envolvidos em questões históricas distintas em vários países. Não acredito que acabar com o embargo aumentaria as chances de abertura do regime. Na verdade, acho que, no curto prazo, uma abertura econômica diminuiria as chances de diálogo político.

Mas o isolamento aproximou Cuba da Europa. Não preocupa o Departamento de Estado o fato de os europeus estarem se tornando os únicos interlocutores na ilha?

Não estamos preocupados com o fato de a Europa ser nosso único contato com Cuba. Trabalhamos junto com os europeus, que são nossos aliados e mantêm um constante diálogo conosco.

Após o 11 de Setembro, a relação entre EUA e América Latina mudou. Os dois lados se afastaram em razão da política externa americana ter dado prioridade ao Iraque. Como melhorar essa relação?

É verdade que desde o 11 de Setembro a América Latina não é mais notícia nos EUA. De certa maneira, acho que isso é bom porque mostra o quanto a região evoluiu. Antes, os países latino-americanos eram manchete nos jornais dos EUA por causa de crises econômicas. Na última vez em que estive no Brasil, há nove anos, estávamos preocupados em saber se a crise financeira contaminaria o ambiente político. Hoje, o Brasil é um país mais sólido. Os tempos mudaram. O hemisfério está mais integrado. Estabelecemos uma série de tratados de livre comércio com países latino-americanos e uma parceria estratégica com o Brasil, que lidera uma operação de paz de sucesso no Haiti. Hoje olhamos para a América Latina como nações com as quais temos interesses convergentes.

Mas, ao se distanciarem da América Latina, os senhores abriram espaço para políticos hostis a Washington, como Hugo Chávez. Como os EUA esperam conter o antiamericanismo no continente?

Procuramos ter boas relações com todos os Estados da região, incluindo Venezuela, Bolívia e Equador. É claro que temos pontos de atrito com esses governos, mas continuaremos tentando garantir que eles sigam no caminho da democracia e do Estado de Direito. Entre esses líderes, Chávez, em particular, tem uma relação bastante antagônica aos EUA. Ele tenta enfraquecer a influência americana na região utilizando recursos que estão fazendo falta para a Venezuela. Por outro lado, é um presidente eleito e um chefe de Estado legítimo. Não contestamos isso, mas esperamos que Chávez lute para melhorar as relações de Bolívia e Equador com o restante do continente, coisa que ele nem sempre faz.

Até que ponto os EUA estão disposto a ceder para que o álcool brasileiro tenha acesso ao mercado americano?

Esse é um dos mais importantes assuntos de nossa agenda bilateral. Existe uma ótima chance de uma parceria com o Brasil no setor de biocombustível, mas ainda faltam algumas medidas regulatórias para assegurar que a segunda e terceira gerações da tecnologia de biocombustíveis sejam mais eficientes e afetem menos o meio ambiente. Estamos comprometidos também com a questão que mais preocupa o governo brasileiro, que é o acesso a mercados. Essa questão, porém, envolve a legislação interna dos EUA e não se resolverá de maneira automática.

Os EUA estão dispostos a ajudar o Brasil a conseguir um lugar no Conselho de Segurança da ONU?

Queremos aumentar o papel de potências emergentes como o Brasil dentro da ONU. Há uma série de importantes mudanças pelas quais temos de trabalhar juntos. Uma delas é a reforma do sistema multilateral. A globalização mudou a relação de poder no mundo. Hoje, há um descompasso entre os novos centros de poder e a distribuição desse poder no sistema multilateral. A reforma do Conselho de Segurança é a mais importante e a mais difícil de todas. Ela está na pauta da ONU há algum tempo, mas é difícil obter consenso. Para os EUA, ela é fundamental para recuperar a credibilidade do Conselho. É complicado realizar uma mudança sem que haja uma necessidade qualquer. Por isso, a perda de credibilidade pode ajudar a criar um consenso que tire a reforma do papel.

A reforma sai em quanto tempo?

Ainda vai durar alguns anos. Certamente não será feita durante o governo Bush.

Estamos falando de quanto tempo? Cinco anos?

Acho que antes disso.

Que países poderiam integrar esse novo Conselho de Segurança?

Para nós, a presença do Japão é fundamental. Olhando adiante, temos Índia, Brasil, África do Sul e algumas outras nações emergentes. Não acho que exista clima nos EUA para aceitar novos membros da Europa, que já está bem representada no Conselho.

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