Título: País retoma déficit externo e põe economia numa encruzilhada
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2008, Economia, p. B9

Desde 1947, conta corrente foi deficitária em 50 anos, e superavitária em apenas 11, incluindo os cinco últimos

Depois de cinco anos de superávit em conta corrente, o Brasil volta, em 2008, à situação que prevaleceu durante a maior parte do período do pós-guerra, de déficit nas contas externas que incluem a balança comercial, serviços, juros e outras rendas.

Segundo dados do Banco Central (BC), o Brasil teve déficit em conta corrente em 50 dos 61 anos transcorridos desde 1947. Dos 11 anos de superávit no mesmo período, cinco, ou quase a metade, ocorreram entre 2003 e 2007. Nos 12 meses encerrados em fevereiro, o Brasil já apresenta déficit em conta corrente de 0,37%. Algumas instituições financeiras prevêem que o déficit em conta corrente possa atingir até US$ 20 bilhões em 2008, o que é superior a 1% do PIB.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já demonstrou publicamente seu desconforto com a nova perspectiva que se abre para a economia brasileira. Na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), em 1º de abril, ele disse explicitamente que ¿uma correção que precisa ser feita é voltar a ter conta corrente positiva¿.

Em termos de medidas concretas para tentar conter a valorização do real, a principal razão da virada para déficit na conta corrente, o governo decidiu em março aplicar um IOF de 1,5% sobre aplicações de estrangeiros em renda fixa no Brasil e liberar as empresas exportadoras para deixar seus dólares no exterior. Apesar de um ligeiro repique do dólar em meados de março, o câmbio já voltou para um nível abaixo de R$ 1,70, sem sinais de que as medidas da Fazenda terão um efeito mais contundente.

O problema, para muitos economistas, é que o Brasil optou por um regime de política econômica que torna inevitável o déficit em conta corrente ou, em outras palavras, a dependência do capital externo.

Sérgio Werlang, diretor-executivo do Banco Itaú, acha que a combinação de governo gastador com BC muito conservador leva inevitavelmente a um real muito valorizado e ao aumento do déficit em conta corrente. ¿O que nós temos hoje é o resultado da combinação de políticas que resolvemos adotar¿, diz Werlang, que foi diretor do BC e um dos principais responsáveis pela introdução do sistema de metas de inflação no Brasil.

Segundo o Departamento Econômico do Itaú, o gasto público primário (exclui juros) cresceu 10,7% em termos reais (descontada a inflação)nos 12 meses até o fim de fevereiro. Isso significa uma aceleração ante o crescimento de 9,5% no ano passado.

O resultado da política fiscal expansionista, para Werlang, é uma taxa de juros real mais elevada e um câmbio mais valorizado, que empurra o País para o déficit em conta corrente. Um problema adicional, porém, é o conservadorismo do BC. O economista nota que muitos países estão com inflação acima - por vezes, muito acima - da meta. Ele cita como exemplos México, Austrália, Chile, Coréia do Sul, Filipinas, Hungria, Israel, os países do euro, Peru, Polônia, República Checa, Uruguai e Inglaterra.

¿A maioria dos países está deixando a inflação ficar um pouco acima da meta para acomodar este choque da alta internacional dos alimentos, mas o BC no Brasil tem dado sinais claros de que gostaria que a inflação ficasse em 4,5%¿, diz o diretor do Itaú.

Para Werlang, haveria apenas duas opções para atenuar a valorização do real e, conseqüentemente, o aumento do déficit em conta corrente: ou o BC aceita transitoriamente uma inflação mais alta, ou o governo aumenta o controle sobre os gastos públicos. Segundo cálculo dos economistas do Itaú, se o crescimento real da despesa pública primária desacelerasse dos 9,5% de 2007 para 7,1% em 2008 - ainda bem acima do PIB - , o que significaria uma economia de 0,8 % do PIB, isso teria um efeito antiinflacionário equivalente a um aumento de 150 pontos base na Selic.

Samuel Pessôa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio, argumenta que o Brasil simplesmente não tem a poupança necessária para financiar o nível de investimento necessário para crescer a um nível satisfatório de economia emergente. Com poupança doméstica que não ultrapassa 20% do PIB, o Brasil não teria como seguir o ¿modelo chinês¿, de um país que cresce a mais de 10% e tem um gigantesco superávit comercial. Por outro lado, a China poupa 50% do PIB, mais do que suficiente para dar conta do seu gigantesco investimento. Pessôa também acha que o endividamento externo do Brasil hoje tem qualidade bem maior do que o da década de 70, por ser realizado inteiramente pelo setor privado, sem influência do governo.

Ricardo Carneiro, economista da Unicamp, acha que, em teoria, um país como o Brasil deveria usar poupança externa para se desenvolver mas, na prática, com a instabilidade dos ciclos de liquidez do capitalismo globalizado, este é um caminho de crises. Para ele, a primeira providência para evitar o aumento do déficit em conta corrente seria o BC não aumentar os juros. Carneiro também defende os controles de capitais, para evitar os fluxos especulativos que valorizam o real, e um aumento de tarifas, para conter o crescimento da importação.

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