Título: Lula avaliza a alta de juros
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/04/2008, Economia, p. B2

Foi só juntar as declarações para concluir: o presidente Lula deu o seu aval para a alta da taxa de juros que o Banco Central (BC) deve aplicar na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana.

Eis a seqüência: na quinta-feira à noite, em São Paulo, o presidente do BC, Henrique Meirelles, entrou no debate pré-Copom e reagiu às críticas já antecipadas contra a provável alta dos juros. Pediu que todos façam análises e previsões com a razão, e não com a emoção. Disse: ¿Não pode ser apaixonado porque, se você coloca emoção, opinião ou ideologia, não entende o que acontece.¿

Para muitos analistas, Henrique Meirelles simplesmente indicou que os juros vão subir e que isso deve ser recebido com... racionalidade.

Poucas horas depois, na sexta-feira pela manhã, em Haia, na Holanda, o presidente Lula disse em entrevista aos jornalistas brasileiros: ¿Os juros vão crescer quando tiverem de crescer e vão cair quando for para cair (...). Não será nem a redução de 0,25% (na taxa básica de juros), nem a manutenção dos 11,25% (atuais), nem o aumento de 0,25% que vai trazer qualquer transtorno à economia brasileira(...). Não há combate à pobreza com uma inflação corroendo salários.¿ E arrematou: ¿É preciso que não volte a tensão toda vez que o Copom se reúne.¿

Para este articulista, parece claro: Lula deu carta branca ao BC e, muito especialmente, ao seu presidente, Henrique Meirelles. E nisso foi coerente com tudo o que fez ao longo de seu governo.

Desde o início, Lula assegurou a independência do BC, e em momentos muito mais difíceis, quando o País não crescia, a inflação era alta e o Copom mantinha juros lá em cima. O PT e toda a base aliada denunciavam o ¿neoliberalismo¿ e a postura ¿pró-banqueiros¿ do BC, mas o presidente manteve a regra: juros são com o Copom.

Mais recentemente, quando o BC começou a sinalizar que estava preparando uma alta de juros para conter as pressões inflacionárias de uma economia bastante aquecida, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou que isso não seria necessário e que ele tomaria outras medidas para controlar o excesso de demanda.

Aparentemente, Meirelles expôs sua posição ao presidente Lula e deve tê-lo convencido. Mantega recuou e agora Lula reafirma a política de metas de inflação, bem às vésperas da reunião do Copom e depois de ter ouvido economistas que esculhambaram o BC.

Como o presidente já se declarou ¿metamorfose ambulante¿, pode ser que retire esse aval. Mas Lula revelou desde o início de seu governo que tem noção exata dos efeitos políticos devastadores de uma inflação elevada. Veremos.

E por falar em custo Brasil - A Gerdau, multinacional brasileira que está entre os maiores grupos siderúrgicos do mundo, tem 36 mil funcionários em 13 países. Enfrenta muitos processos trabalhistas, mas todos num único país. Precisa dizer qual?

No que se refere a processos fiscais - ou seja, problemas com os Fiscos nacionais -, a Gerdau tem dois casos pequenos no resto do mundo. No Brasil? ¿A gente passa o tempo todo discutindo com a Receita¿, conta Jorge Gerdau Johannpeter, que conduziu a multinacional a seu estágio atual. No XXI Fórum da Liberdade, realizado em Porto Alegre na semana passada, o empresário mostrou como é complicado tocar um negócio no País.

Salim Mattar, presidente e fundador da Localiza, locadora de veículos, acrescentou um exemplo curioso. Disse que todo ano sua empresa envia ao Ministério do Trabalho a ¿relação dos 2/3¿, documento no qual declara que dois terços dos empregados são brasileiros, como manda a lei. Detalhe: a Localiza nunca teve um empregado estrangeiro nos seus 30 anos de vida.

Eis o custo Brasil: um ambiente hostil aos empreendedores privados. Gerdau e Localiza são empresas enormes, formais, com ações negociadas na Bovespa. Têm compromissos com seus acionistas que vão além do que determina a legislação. Ainda assim, gastam dinheiro, energia e o tempo de muitos funcionários para lidar com a Justiça do Trabalho, com as Receitas Federal, estaduais e municipais e com a burocracia em geral.

Não é um custo menor. A última edição da pesquisa Fazendo Negócio, do Banco Mundial, que avalia o ambiente de negócios em 178 países, coloca o Brasil na 122ª posição. Dos países emergentes importantes, nenhum está atrás do Brasil. A Índia estava. Ficou na 134ª posição no ano passado, mas saltou para a 120ª depois de algumas reformas. O Brasil piorou.

O Banco Mundial mostra também que as reformas para eliminar esses entraves são relativamente fáceis. Muitos países têm avançado muito, como a China, que ganha posições todos os anos (está agora na 83ª).

Mas por que essas reformas demoram tanto no Brasil?

Há o viés burocrático clássico, mas também algo pior: a ideologia anticapitalista, a visão segundo a qual o empreendedor é um cara mal-intencionado que quer ganhar dinheiro explorando os outros e roubando o governo.

Pode parecer caricatura, mas não é. Trata-se de um ponto de vista que atravessa toda a sociedade e todo o espectro político. Mesmo entre os que entendem a força econômica da livre-iniciativa, muitos sustentam que as empresas precisam ser estreitamente vigiadas para que sejam contidos os seus instintos predadores.

O resultado disso é a imposição de controles rígidos e absurdos sobre empresas que nem começaram a funcionar. Parece que elas são culpadas antes de fazerem qualquer coisa.

Deveria ser o contrário. Liberdade ampla de empreender e punição para quem fizer alguma coisa errada. Aqui, quem trabalha corretamente é sufocado por um ambiente hostil. E quem trabalha fora da lei, no informal, consegue ficar anos e anos sem ser importunado pelos fiscais.

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista. Site: www.sardenberg.com.br

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