Título: Em busca de crianças superdotadas
Autor: Primi, Lilian
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2008, Vida&, p. A27

Especialista que conduzirá testes de inteligência em BH diz que negligência e expectativas exageradas prejudicam superdotados

Um grupo de crianças entre 9 e 10 anos da rede pública de Belo Horizonte irá passar, no próximo semestre, por um teste de inteligência. O objetivo é identificar e mapear a superdotação na cidade, que ocorre em 2% da população de qualquer classe social, segundo pesquisadores que estudam a inteligência humana. O grupo que fará o mapeamento, coordenado por Carmem Elvira Flores-Mendoza, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também trabalha, desde 2002, na identificação e quantificação do que é chamado pela classe científica de efeito Flynn: um aumento da inteligência da humanidade, provocada pela evolução biológica que nos faz mais altos e com menos pêlos a cada geração. Doutora pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e membro da International Society for the Study of Individual Differences (ISSID) e da Sociedad Española para el Estudio de las Diferencias Individuales (SEIDI), Carmem quer identificar crianças com altas habilidades para que a Secretaria de Educação possa investir nelas e evitar que seu potencial se perca nos descaminhos da educação pública.

O que a senhora acha das críticas e da resistência que existe em relação aos testes de inteligência? São apontados como instrumentos de classificação que leva, por sua vez, à discriminação.

Falar sobre inteligência é dolorido. Se você perguntar para uma pessoa se ela prefere ser chamada de louca ou de burra, ela dirá que prefere ser chamada de louca. Porque toda pessoa sabe, intuitivamente ou não, a importância da inteligência na sua sobrevivência. Saber que existe uma medida que pode informar qual é sua capacidade, comparada à de outras pessoas, dói e causa medo. Portanto, é mais fácil criticar os testes, dizer que eles não medem ou que há mal uso. Há casos de uso incorreto, isso é certo, mas aí o problema não é o teste, são as pessoas. É a velha história de culpar o mensageiro pela mensagem.

Como será feita a identificação de superdotados em Belo Horizonte?

Se identificarmos crianças que apresentam superdotação, podemos sinalizar para a Secretaria de Educação, para que invista nelas. Vamos levantar o perfil dessas crianças e quantas são. Com esses dados, a secretaria poderá elaborar um sistema de diagnóstico e de atendimento.

Por que foi escolhida a faixa entre 9 e 10 anos de idade?

Porque antes dos 9 anos as crianças ficam muito inquietas, são muito pequenas. As com mais de 10 anos também não integram a pesquisa porque, quando chegam perto da adolescência, existe o problema do temperamento, da indisciplina, tudo relacionado a essa fase complicada, que pode confundir nossos dados. As respostas podem espelhar uma atitude de rebeldia, que não tem nada a ver com o potencial do aluno.

Há o risco de criar uma alta expectativa sobre a criança superdotada e ela acabar se retraindo?

Acontece sim. Tivemos dois casos assim, com crianças da mesma faixa etária, 7 anos, cujos pais não tinham dinheiro e processaram o Estado, para que custeasse o ensino particular. A promotoria me pediu um diagnóstico. No caso, apenas uma era superdotada, a outra era um caso de talento, que tinha sido orientada e ensinada a acreditar que era superdotada. Em casos de superdotação ou talento, o melhor é ir ao psicólogo para identificar direito. Porque, caso contrário, ou se criam falsas expectativas, ou se negligencia. As duas atitudes prejudicam a criança.

Você poderia dar uma orientação aos pais que percebam algo ¿diferente¿ nos seus filhos?

Posso aconselhar a observar alguns indicativos que estão relacionados à superdotação. Caso a criança apresente, o caminho é procurar um psicólogo, para uma avaliação profissional e também, para orientação. Os sinais são: a velocidade de processamento de informações, memória muito acurada, curiosidade espontânea e não induzida, vocabulário avançado, gosto natural pela leitura e alfabetização precoce. Alfabetização precoce é quando, por exemplo, aos 3 ou 4 anos de idade, ou seja, antes da intervenção da professora, a criança já identifica letras, sozinha. Ou, então, reconhece uma vasta quantidade de cores aos 2 anos de idade. Outro indicativo é quando a criança ¿fuça¿ as coisas do pais, para saber dos problemas que eles enfrentam. Todos esses indicativos fazem suspeitar de uma superdotação, e os pais devem encaminhá-la para um psicólogo. Agora, é importante conhecer também os indicativos do talento: é quando a criança apresenta extrema facilidade em apenas uma área, como pintura, desenho ou música. Há uma obsessão por uma atividade. As outras, ela desdenha.

A superdotação é uma garantia de sucesso na vida adulta?

Em 80% dos casos, sim. O restante, não. A vida pode apresentar alguns obstáculos e limitações que ela não pode sobrepor. Superdotação não é destino. Há também problemas de personalidade, de doenças. Agora, essa probabilidade, de 80% de sucesso esperados na superdotação, pode diminuir dependendo do contexto social em que a criança está. Sem oportunidades, esse porcentual cai bastante.

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