Título: Europa vê combustível como vilão do ambiente
Autor: Milanese, Daniela
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2008, Economia, p. B9

Argumento é a devastação de florestas para o cultivo das matérias-primas

De salvador do planeta a vilão do aquecimento global e da alta dos preços dos alimentos. A percepção sobre os biocombustíveis no exterior mudou radicalmente, o que põe na berlinda o etanol brasileiro, uma das áreas mais promissoras do País. Recentemente, diversas entidades internacionais, governos e ambientalistas passaram a criticar aquele que até então era considerado uma fonte de energia limpa, algo precioso diante das mudanças climáticas que assolam a Terra.

Na Europa, predomina agora a visão de que os biocombustíveis pioram a situação do meio ambiente, em vez de melhorá-la. A devastação de florestas para o cultivo das matérias-primas e a elevada quantidade de energia envolvida no processo de produção são os argumentos ambientais mais utilizados.

E, sobre os ombros dos biocombustíveis também está caindo boa parte da culpa pela disparada dos preços dos alimentos, preocupação que ganhou viés global. O tema dominou a última reunião dos sete países mais ricos do mundo, o G-7, em Washington, deixando até mesmo em segundo plano a atual crise de crédito.

Diversas iniciativas para o aumento do uso dos combustíveis de origem vegetal, que foram adotadas na fase otimista, estão agora sob suspense. Uma delas são as metas criadas pela União Européia no início de 2007. Na época, a região se comprometeu a adicionar 10% de biocombustíveis na gasolina até 2020 - hoje o porcentual é de 2% -, com o objetivo de reduzir as emissões dos gases que provocam o efeito estufa.

Um ano depois, especialistas que acompanham o assunto vêem sinais de que pode haver revisão das metas, a partir do discurso das autoridades locais. Países como a Alemanha, França e Reino Unido já decidiram eliminar os subsídios dos biocombustíveis, como forma de desestimular a produção na região, usando as dúvidas sobre sua eficácia ambiental como argumento.

Sob pressão da indústria automobilística, a Alemanha desistiu de adotar um combustível formado por 90% de gasolina e o restante de etanol a partir do ano que vem.

A produção européia de etanol, que usa o trigo e a beterraba, somou 4,6 bilhões de litros em 2006, sendo que a França, Alemanha e Espanha estão entre os maiores produtores.

O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, surge como uma das principais vozes do continente contra a iniciativa ao defender que o assunto seja debatido na reunião do G-8, a ser realizada em julho, no Japão. Em recente carta ao primeiro-ministro japonês, Yasuo Fukuda, Brown afirmou: ¿Há um consenso crescente de que nós precisamos examinar urgentemente o impacto sobre o preço dos alimentos dos diferentes tipos e métodos de produção dos biocombustíveis, e assegurar que o seu uso é responsável e sustentável¿.

A imprensa britânica destaca que o primeiro-ministro se prepara para travar uma batalha contra as metas da União Européia. Mas, por ora, está tendo de cumpri-las. Tanto, que passou a valer nesta semana no Reino Unido a obrigação de adição de 2,5% de biocombustíveis à gasolina.

Diante do atual ambiente negativo, a nova regra levanta muita polêmica no país. Diversos especialistas pediram o adiamento da medida, entre eles Robert Watson, assessor do governo britânico em assuntos ambientais desde setembro do ano passado, que antes foi cientista-chefe do Banco Mundial, chefe do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, da ONU, e um dos idealizadores do Protocolo de Kyoto.

O Greenpeace também fez campanha para que o início da adição fosse adiado. ¿Florestas equatoriais, savanas e campos podem ser devastados para a plantação de vegetais. Teme-se também que áreas agrícolas de cultivo de gêneros alimentícios sejam convertidas para a produção de matéria-prima para esse tipo de combustível, fazendo com que o preço dos alimentos aumente, e que mais pessoas passem fome¿, diz comunicado do grupo ambientalista.

O viés da imprensa britânica também é bastante negativo. No primeiro dia da nova regra no país, o The Independent estampou em sua chamada de capa: ¿Sua produção está devastando o meio ambiente mundial. Então por que o governo está forçando o uso de mais biocombustíveis?¿.

As críticas vêm ainda de entidades internacionais. A preocupação de Gordon Brown é apoiada pelo presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick. Na sexta-feira, o presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, afirmou que os biocombustíveis são um ¿problema moral¿. Durante a semana, o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU), Jean Ziegler, voltou a classificá-los de ¿crime contra a humanidade¿. Com base no trabalho de Ziegler, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, até então apoiador do uso de combustíveis alternativos, pediu no início do mês revisão das políticas internacionais sobre o tema.

A forte polêmica que hoje cerca os biocombustíveis no exterior torna o assunto um novo campo de batalha para o governo brasileiro, depois da questão da carne bovina na União Européia. Especialistas acham que as autoridades precisam ficar atentas à possibilidade de medidas protecionistas internacionais.

¿A questão é política, pois a maior resistência vem de países que subsidiam a agricultura¿, acredita o advogado Durval de Noronha, especializado na área de comércio internacional e representante brasileiro para a Rodada Uruguai, que antecedeu Doha. ¿Pegam as críticas sobre o etanol americano, baseado no milho e menos eficiente, e generalizam.¿

Para Noronha, o Brasil precisa se defender rapidamente, colocando argumentos à disposição da opinião pública internacional, a fim de impedir que surjam barreiras contra o álcool brasileiro.

O novo embaixador brasileiro em Londres, Carlos Augusto Santos Neves, tem o tema como uma das prioridades de seu trabalho. ¿Precisa haver uma argumentação correspondente do nosso lado¿, afirmou. ¿Esse é um fato novo.¿

Hoje o Brasil é o segundo maior produtor de álcool do mundo, atrás dos Estados Unidos. Segundo a Datagro Consultoria, a produção de etanol global somou 51,4 bilhões de litros em 2006, sendo que os EUA responderam por 19,7 bilhões de litros do total e o Brasil, 17,4 bilhões de litros.

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