Título: Escalada da taxa de juros acirra as divisões dentro da equipe econômica
Autor: Rehder, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2008, Economia, p. B14

O Banco Central (BC) de Henrique Meirelles parte para o seu terceiro ciclo de aperto monetário com plena consciência de que está mais isolado do que nunca no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Até o início de 2008, o BC alimentava a esperança de que não seria preciso aumentar a Selic, a taxa básica, neste ano e que a manutenção no nível de 11,25% seria suficiente para conter as pressões inflacionárias que já se faziam sentir. O BC nutria um certo conforto na perspectiva de não ter de elevar a Selic em 2008, evitando confrontos mais agudos com a ala desenvolvimentista do governo.

Ex-diretores do BC, da gestão de Meirelles, foram críticos das duas reduções da Selic em 0,50 ponto porcentual em junho e julho de 2007, consideradas excessivas diante dos sinais já existentes de aceleração da demanda. Mas, no final das contas, o golpe que eliminou a possibilidade de que a Selic ficasse estável em 2008 foi a alta internacional dos alimentos, que jogou a inflação para cima do centro das metas no mundo inteiro.

Agora, diante da inevitabilidade do aperto monetário, a política econômica do governo Lula pode entrar no período de maior polarização entre as correntes ortodoxa (limitada ao BC) e desenvolvimentista. Lula é o grande árbitro, e, se der sinais de sustentação a Meirelles, é bem provável que faça o disciplinado ministro Mantega adaptar-se a uma situação que ele evidentemente não aprova.

O problema é que a disputa agora vai bem além da simples dicotomia entre a vontade de crescer mais rápido dos desenvolvimentistas e o temor da inflação dos ortodoxos. O que está em jogo é o modelo de desenvolvimento que o Brasil vai cristalizar, na esteira do longo ciclo de crescimento que se anuncia na alta estrutural das commodities minerais e agrícolas que o País produz.

Como explicou o diretor-executivo do Itaú, Sérgio Werlang, em recente entrevista ao Estado, o Brasil está numa certa armadilha causada pela conjunção de um governo muito gastador com um BC muito conservador. A gastança infla a demanda, bota lenha nas pressões inflacionárias e faz com que o BC hipercauteloso mantenha os juros em níveis elevadíssimos para evitar qualquer desvio maior da meta da inflação.

Mas a combinação de juros altos e grandes gastos públicos sobrevaloriza o câmbio, o que os desenvolvimentistas rejeitam. Para eles, o real forte alimenta o déficit na conta corrente e traz o risco de crises cambiais. Além disso, tira a competitividade industrial do País e é fatal para um projeto de desenvolvimento de longo prazo.

Em algum momento, é provável que o governo Lula atinja os limites da estratégia de crescer muito, gastar muito e ter inflação muito baixa. O mais provável, na opinião de Samuel Pessôa, economista da FGV do Rio, é que Lula acate a freada do BC e contente-se com a combinação de crescimento ainda razoável, mas não asiático, com gastos crescentes e inflação sob controle. Esse é um cenário que deve manter o real valorizado, mas é execrado pelos desenvolvimentistas.