Título: Há ONGs que encobrem suas finalidades
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2008, Nacional, p. A7
Planalto tem projeto para restringir atuação de organizações não-governamentais na Amazônia
O ministro da Justiça, Tarso Genro, admite que o governo perdeu a batalha da comunicação no episódio da demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Afirma, porém, que lutará para desocupar a área, hoje invadida por arrozeiros. ¿É um equívoco a visão de que seis arrozeiros podem desconstituir um trabalho de maturação que atravessou diversos governos¿, diz.
Na avaliação de Tarso, uma análise distorcida sobre a operação preparada pela Polícia Federal para retirar os fazendeiros da reserva influenciou o Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu o processo. O ministro repete, porém, que não há margem para dúvida nesse caso: ¿A terra indígena integra o patrimônio da União. E a União entra e sai dela quando quer¿.
Depois da crise provocada por declarações do general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, comandante militar da Amazônia, que classificou a política indigenista como ¿lamentável e caótica¿, Tarso jogou água na fervura. Disse até que compartilha da preocupação do general a respeito da atuação das ONGs. ¿Várias dessas instituições não estão a serviço de suas finalidades, mas, sim, de interesses relacionados à biopirataria¿, insistiu o ministro, que enviou para a Casa Civil, há duas semanas, proposta para regulamentar a atuação de ONGs na Amazônia legal. Leia a seguir entrevista exclusiva do ministro:
O general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, criticou a política indigenista do governo Lula e disse que a demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol ameaça a soberania nacional. Como o sr. responde a essa avaliação?
A opinião do general Heleno foi de boa-fé. Se ele deveria tê-la tornado pública é outra história, sobre a qual não devo manifestar nenhum juízo. Agora, as visões que apontam a demarcação de reservas indígenas como ameaça à soberania nacional são completamente equivocadas. A terra indígena integra o patrimônio da União. E a União entra e sai dela quando quer.
Mas o general se refere à reserva como uma região de grande vulnerabilidade, que pode ser objeto de invasão de grupos, de ONGs... A demarcação em terras contínuas não piora esse quadro?
Não. Tanto é verdade que essa vulnerabilidade existe em outras áreas do País. Em Foz do Iguaçu, por exemplo, na fronteira com o Paraguai, sabemos que há problemas de tráfico de drogas, de armas, de pessoas, e não é uma terra indígena. Quanto às ONGs, eu compartilho dessa visão do general Heleno. É um estatuto que ainda temos de trabalhar no Brasil. Remeti para a Casa Civil, há cerca de duas semanas, proposta de regulação da presença de organizações não-governamentais, religiosas ou não, na Amazônia legal. Pela proposta, que ainda terá de ser votada pelo Congresso, essas instituições só poderão entrar na Amazônia após receber licença específica dos ministérios da Justiça e da Defesa. Isso é necessário porque várias dessas instituições não estão a serviço de suas finalidades, mas, sim, de interesses relacionados à biopirataria. São esses os interesses que podem fragilizar e ameaçar a soberania do país.
E como o governo fará a seleção de quem pode ou não entrar na Amazônia legal?
Cada instituição que se propuser a atuar lá terá examinada sua origem e finalidade. Vamos confrontar com aquilo que elas fazem em outros países e seus vínculos empresariais e governamentais. Temos ONGs e ONGs. Há as que prestam serviço social e comunitário importante e as que encobrem suas finalidades. Estamos também trabalhando num estatuto para revisar o licenciamento de ONGs que tratam de questões ambientais, indígenas e de outros assuntos que interessam à soberania em todo o território nacional.
O STF concedeu liminar aos arrozeiros e brecou o processo. O governo não cometeu erros?
O STF agiu numa grande questão política e jurídica como sempre faz: influenciado pela opinião pública e baseado nas possibilidades de interpretação da lei. O ministro Ayres Britto (relator da ação) é um homem sério, responsável e inteligente. Agora, isso não me leva a concordar com o conteúdo da decisão. A política de demarcação contínua é correta. É um equívoco a visão de que seis arrozeiros podem desconstituir um trabalho de maturação que atravessou diversos governos. Na verdade, nós perdemos a batalha da opinião pública e isso teve um efeito sobre a decisão do STF.
O sr. se referiu a meia dúzia de arrozeiros. Não acredita que eles tenham os seus direitos?
Os arrozeiros têm os seus direitos, mas a batalha que se deu lá não foi sobre isso. Foi sobre a permanência ilegal ou não deles em terras da União, que foram demarcadas como terras indígenas. Então, trata-se de reconhecer a soberania ou não que o Estado tem sobre uma terra que lhe pertence.
Quem é: Tarso Genro
Gaúcho de São Borja, é advogado e tem 61 anos.
Foi prefeito de Porto Alegre duas vezes: de 1993 a 1996 e de 2001 a 2002.
Foi ministro da Educação, das Relações Institucionais e comandou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Presidiu o PT por três meses, em 2005.
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