Título: Xô, Satanás
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2008, Economia, p. B2

Todo dinheiro é esterco do diabo. Esta é uma afirmação atribuída a Santo Tomás de Aquino (século 13), que encabeça a lista dos maiores teólogos da Igreja Católica.

E, na análise da maioria dos bispos do Brasil, o cartão de crédito parece catalogado no index diaboli rerum. A julgar pela argumentação dos bispos contra os bancos e o cartão, seu uso pode ser entendido como uma espécie de pecado moderno.

No dia 8, em Itaici (na cidade de Indaiatuba, São Paulo), a assembléia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foi convocada para decidir se aprovava ou não a criação de um cartão de crédito Bradesco com o logotipo CNBB. Ele poderia ser usado não só pelos bispos, mas também pelos próprios fiéis. A proposta foi encaminhada por d. Eusébio Scheid, cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, com base em experiência bem-sucedida lá mesmo na Arquidiocese do Rio. Os lucros da iniciativa se destinariam ao financiamento de obras sociais da Igreja.

A rejeição de uma proposta assim seria perfeitamente compreensível porque qualquer instituição pode preferir outras formas de financiar seus projetos ou vincular seu logotipo a outro tipo de imagem. O problema não foi a rejeição; foram os argumentos desferidos para justificá-la.

D. Guilherme Werlang, bispo de Ipameri (GO), advertiu que ¿o sistema bancário é uma das faces mais perversas do capitalismo¿. E completou: ¿Vender nossa marca CNBB ao capitalismo é trair o evangelho.¿ D. Eugène Adrian Rixen, bispo de Goiás (GO), lembrou que ¿o sistema financeiro é cruel com aqueles que não conseguem cumprir suas obrigações, especialmente os mais pobres¿. E advertiu que ¿o cartão de crédito incentiva o consumismo, às vezes compulsivo¿.

Para d. João Bosco Oliver de Faria, arcebispo de Diamantina (MG), ¿aceitar o cartão é compactuar com o neoliberalismo¿. E d. Emanuel Messias de Oliveira, bispo de Guanhães (MG), foi além: ¿O negócio dos cartões de crédito é uma das indústrias mais lucrativas e destrutivas que já emergiram na inventiva mente capitalista. O Citibank está juntando mais dinheiro do que a Microsoft e o Wal-Mart. São realizados lucros obscenos sem levantar um dedo para efetuar qualquer trabalho físico. Com cartão de crédito na mão, o pobre pode adquirir os bens de consumo e depois destruir sua família com a bola-de-neve de uma dívida.¿

O outro lado também teve seus defensores:

D. Osvino Both, arcebispo do Ordinariado Militar do Brasil, prefere a criação de um banco próprio, ¿como o que existe na diocese de Essen, na Alemanha¿. E observou que não é possível viver sem banco: ¿Precisamos de dinheiro para a evangelização e a promoção humana. O dinheiro coletado por nós está em grande parte nos bancos rendendo aos banqueiros.¿ ¿Não existem pessoas competentes para gerenciar um banco da Igreja Católica do Brasil?¿ - perguntou.

D. Dimas Lara Barbosa, bispo auxiliar do Rio, embora concordasse com aqueles para os quais ¿os bancos são a escória do sistema neoliberal¿, não viu motivo relevante para deixar de trabalhar com cartão de crédito. E concluiu: ¿O cartão não está em desacordo com a Doutrina Social da Igreja.¿ Mas foi voto vencido.