Título: ONU quer US$ 3,1 bi para combater crise de alimentos
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2008, Economia, p. B9

Organização decide montar uma força-tarefa, mas só tem 3% dos recursos

De mãos atadas pelas leis do mercado e dependendo do voluntarismo dos governos, a Organização das Nações Unidos sofre para anunciar uma estratégia internacional para a crise da alimentação. A ONU quer montar uma força-tarefa e pede US$ 3,1 bilhões - US$ 775 milhões a mais do que o orçamento do ano passado - para tentar dar uma resposta à crise que já afeta 100 milhões de pessoas.

A ONU vê a fome hoje como uma ameaça maior do que o terrorismo. Mas, com apenas 3% do dinheiro pedido para superar a crise e distribuir alimentos, a organização não tem como controlar especuladores nem como forçar governos a eliminar medidas que distorcem o comércio, que estão inflando a crise. Em um encontro de dois dias em Berna, as lideranças das 27 agências da ONU fecharam uma estratégia para dar uma resposta à crise, com a criação de uma força-tarefa. Mas o debate em meio a almoços luxuosos regados com vinho, salmão e carpaccio apenas evidenciou a esquizofrenia do sistema e foi criticado por entidades humanitárias como Care e Oxfam.

Todos os participantes concordam que a crise é resultado do abandono da agricultura nos países em desenvolvimento. Enquanto isso, em seis meses, os alimentos subiram 50%. ¿Não podemos repetir os erros do passado¿, disse Ban Ki Moon, secretário-geral da ONU, alertando que os problemas já eram conhecidos há anos. ¿Lamento que a comunidade internacional não ouviu antes os sinais de alerta¿, disse ele.

¿Sabíamos que chegaríamos a esse ponto e alertamos a todos. Mas não tomamos decisões na hora certa com investimentos e ajuda aos países mais pobres. Agora, pessoas morrem e até governos são derrubados¿, disse Jacques Diouf, secretário da FAO. Já o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, criticado por não ter feito investimentos suficientes no setor agrícola, prefere culpar os governos, clientes do banco. ¿Os países investiram menos na agricultura¿, alertou.

PLANO

Diante do tiroteio, a ONU chegou ontem a um plano em três fases. No curto prazo, o objetivo é conseguir doações para financiar a distribuição de comida a 73 milhões de pessoas. Na prática, a ONU tem US$ 20 milhões e promessas de mais de US$ 400 milhões. ¿Mas promessas não alimentam¿, alertou Zoellick. ¿Se os fundos que solicitamos aos doadores não forem cobertos, corremos o risco de presenciar ainda mais o aumento da fome, da desnutrição e do surgimento de distúrbios sociais em escala sem precedentes¿, disse Ban Ki Moon.

A segunda fase é a de elaboração de novas políticas. Para Zoellick, a crise não acabará com as doações e a ONU precisa sentar com os países mais afetados para elaborar medidas. A conclusão da Rodada Doha, com a redução dos subsídios nos países ricos, também é uma medida de médio prazo para permitir que as economias pobres possam ter espaço no mercado mundial para produzir e vender sem distorções.

A estratégia inclui medidas de longo prazo, principalmente para aumentar a produção agrícola. A FAO estabelecerá plano de US$ 1,7 bilhão para ajudar os países mais pobres a produzir, com sementes e fertilizantes. O Brasil, segundo Ban, ajudará com o desenvolvimento de sementes resistentes a solos menos férteis em Burkina Faso.

Diouf, porém, é claro: os programas já existem desde 2002 para lutar contra a fome e incentivar a produção. ¿O problema não é a falta de programas, é a falta de prioridade. A África tem seu plano de aumentar produção desde 2003. Mas ninguém esteve até agora disposto a financiá-lo¿, atacou.

Para fazer uma revolução verde, a África precisa de US$ 8 bilhões a US$ 10 bilhões em investimentos anuais. ¿A solução é incentivar a produção, com dinheiro para irrigação e infra-estrutura¿, disse Diouf. Segundo ele, de 40% a 60% da produção agrícola africana se perde por estoques inadequados.

Depois de anos sem recursos para o meio rural, até o Banco Mundial se depara com a nova realidade. Para Zoellick, investir em agricultura produz um impacto três vezes maior na redução da pobreza que outros programas sociais.

A ONU espera que um plano esteja sendo implementado já em meados do ano, para garantir que a próxima safra seja maior que a atual. Caso contrário, a crise se agravará em 2009. ¿As próximas semanas serão críticas¿, disse Zoellick. ¿Para 2 bilhões de pessoas, o momento é de desafio. Isso não é um desastre natural. Mas para muitos, é um desastre.¿

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