Título: Embrião de reforma
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2008, Notas e Informações, p. A3

Obsoleta, a legislação que regula as relações entre o capital e o trabalho é rigorosa para quem a obedece, benéfica para quem goza de suas vantagens, mas ignora a situação de metade dos trabalhadores - que não desfruta de proteção nenhuma - e pode condenar o Brasil a ficar preso entre as economias de trabalho barato e as que usam mais intensamente a tecnologia e se tornam mais produtivas e de crescimento mais rápido. Retarda o progresso, e pode impedi-lo.

Esse diagnóstico, que, com poucas variações, tem sido feito com freqüência por representantes do setor privado e por sindicalistas mais lúcidos, agora é compartilhado também pelo ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, que foi incumbido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de elaborar uma agenda mínima de ¿mudanças radicais¿ na legislação trabalhista e na estrutura sindical. O ministro vem discutindo o tema com outros ministros e as principais centrais sindicais desde setembro. Num documento divulgado esta semana, Mangabeira Unger sintetizou as discussões e registrou os pontos de convergência que apontam o caminho que as reformas trabalhista e sindical podem trilhar.

Trata-se de um ¿assunto ainda embrionário¿, como destacou o ministro da Previdência Social, Luiz Marinho, que, quando ocupou o Ministério do Trabalho, conduziu as discussões sobre esse tema sem ter obtido maiores avanços. O documento, de fato, não é mais do que um trabalho preliminar que pode servir de base para a elaboração dos projetos de reformas. Até se chegar a essa fase da reforma, muitos temas terão de ser discutidos com mais profundidade, e essas discussões revelarão divergências profundas, mesmo dentro do governo.

Alguns pontos do documento merecem ser destacados, pois mostram que o governo começa a ter uma visão mais realista da situação do mercado de trabalho. A informalidade, diz o texto, ¿é uma calamidade brasileira¿, econômica, social e moral, pois atinge metade da força de trabalho. ¿Resgatar essa metade da informalidade, com toda a dimensão e rapidez possíveis, é prioridade de qualquer projeto que pretenda reconstruir as relações entre trabalho e capital no Brasil sob o signo da reconciliação entre o desenvolvimento e a justiça.¿

Muitos sindicalistas acham que, para acabar com a informalidade, basta fiscalizar as empresas com mais rigor e punir as que não cumprem a legislação. O governo parece ter entendido que o problema é muito mais complexo - refere-se a profundas mudanças da natureza do emprego e do trabalho - e, por isso, fala em mudar a legislação e em adotar políticas públicas que estimulem a abertura de postos de trabalho formais - como programas de apoio gerencial e de formação de dirigentes de empresas, programas de disseminação de conhecimento tecnológico e desoneração da folha de salários.

Desoneração da folha é tema discutido há muito tempo. Nas discussões que Mangabeira Unger conduziu prevaleceu a tese de que os benefícios diretos do trabalhador (férias, 13º salário e outros) devem continuar na folha de pagamentos, mas os ¿penduricalhos¿ (contribuições para o Sistema S e salário-educação) devem passar para os impostos gerais.

Outra tese é a de que o financiamento da Previdência deve ser feito por um tributo que incida sobre o faturamento das empresas. É uma proposta antiga e polêmica. Essa forma de tributação onera proporcionalmente mais as empresas mais produtivas, que empregam menos trabalhador por unidade faturada, o que desestimularia a modernização e a busca de eficiência.

Também polêmica é a proposta, há muito tempo defendida pelos sindicalistas, de criação de uma representação sindical nos locais de trabalho, o ¿agente sindical¿, com poderes que algumas entidades patronais consideram intromissão indevida em assuntos da economia interna da empresa. O documento do ministro de Assuntos Estratégicos propõe, ainda, uma forma de representação sindical de trabalhadores temporários e terceirizados que hoje não podem se sindicalizar. Que forma seria essa, o ministro não explicita.

Esse, aliás, é o grande problema do documento. Ele contém muitas idéias, mas seu autor não diz como torná-las realidade.