Título: Grau de investimento, festas e fatos
Autor: Werneck, Rogério L. Furquim
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2008, Economia, p. B2

A atribuição de grau de investimento aos títulos da dívida externa brasileira pela Standard & Poor¿s vem sendo objeto de justa comemoração no País. É bem verdade que a mudança vem a reboque de reavaliações que há tempos vêm sendo feitas pelos próprios investidores externos. Mas, por mais tardia que seja, a reclassificação representa marco de importância inegável, que culmina quase duas décadas de esforço de construção institucional e aprimoramento da condução da política econômica, ao longo de seis mandatos presidenciais. Em meio aos festejos, contudo, é preciso evitar dar à reclassificação conotações que ela de fato não tem.

É irônico que a obtenção do grau de investimento tenha afinal se dado exatamente quando a qualidade da condução da política econômica vem mostrando sinais tão inequívocos de declínio. Um dos pontos ressaltados na justificativa da reclassificação foi a capacidade do Banco Central de ¿agir de forma firme e inteiramente independente¿. É mais do que sabido que a independência que vem sendo a duras penas preservada é em relação ao Ministério da Fazenda, cuja equipe não perde ocasião de tentar intervir na condução da política monetária.

Na verdade, a equipe da Fazenda se tem mostrado pronta a atuar, se necessário, como grupo de demolição de boa parte do aparato de política macroeconômica, duramente construído ao longo de muitos anos, que hoje respalda o grau de investimento. Mesmo tendo isso em conta, é mais do que natural que, diante da obtenção do grau de investimento, o ministro da Fazenda se comporte como engenheiro de obra feita. Qualquer um, no seu lugar, faria o mesmo. O que já é mais surpreendente é que o ministro tente atribuir a reclassificação a pressões recentes que, pessoalmente, teria feito sobre as agências de risco.

O lado mais preocupante do quadro macroeconômico do País continua a ser o aumento descontrolado dos gastos primários do governo, alimentado por uma elevação de carga tributária que não parece ter fim. É lamentável que, ao comemorar a obtenção do grau de investimento, o ministro da Fazenda não tenha resistido à tentação de brandir o superávit primário recorde observado no primeiro trimestre como evidência de que as críticas à expansão de gastos primários não têm fundamento. Trata-se de sofisma grosseiro, completamente gratuito. Como o próprio Banco Central esclareceu ao divulgar os dados das contas públicas do primeiro trimestre, o bom desempenho do superávit primário decorreu da combinação do forte crescimento da receita com a momentânea contenção de dispêndio que adveio do atraso na aprovação do Orçamento. Afinal, o decreto de programação orçamentária e financeira divulgado na semana passada, prevê, de forma conservadora, expansão de mais de 12% nos gastos primários federais em 2008.

No mesmo dia em que foi divulgada a obtenção do grau de investimento, o governo anunciou reajuste de preços de combustíveis que bem ilustra o grau de deterioração da qualidade da condução da política econômica no País. Como se sabe, os preços de gasolina e óleo diesel foram reajustados pela última vez há cerca de três anos, quando a cotação internacional do petróleo estava em torno de US$ 65 o barril. Tendo em vista as cotações recentes de até US$ 120 o barril, o governo afinal se deu conta de que os preços de combustíveis haviam ficado excessivamente defasados. A preocupação fazia todo sentido. O lamentável foi o formato da correção de preços que afinal se anunciou.

Num acesso neoperonista, o governo decidiu que os preços da gasolina deveriam ser aumentados sem que isso tivesse impacto sobre os consumidores. O que se viu foi um arreglo típico da época em que ainda existia a chamada conta petróleo. Foram reajustados os preços recebidos pela Petrobrás e, para poupar os consumidores, o governo abriu mão de parcela substancial da receita que vinha obtendo com a cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre combustíveis. O ministro da Fazenda não poderia ter sido mais claro sobre o caráter parafiscal do arreglo: ¿Depois a Petrobrás vai devolver tudo para o Tesouro Nacional sob a forma de mais lucros e mais dividendos.¿ Já os consumidores, alegremente subsidiados, continuarão a tomar decisões sobre consumo de derivados exatamente como tomavam quando o barril custava US$ 65.

*Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

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