Título: CNPJ, a barreira inicial
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2008, Notas e Informações, p. A3

Boa parte das empresas brasileiras opera fora da legalidade e longe do alcance do Fisco. Pode ser a solução mais fácil para quem não quer enfrentar os horrores da burocracia, mas nem todos preferem ou podem tomar esse caminho. Para quem deseja ou precisa formalizar seu negócio, resta enfrentar ou contornar as barreiras impostas pelo governo desde os primeiros atos necessários à constituição de uma empresa.

Não surpreende, portanto, a existência de um mercado paralelo onde se pode comprar, sem muita complicação, um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), a identificação indispensável ao funcionamento legal de qualquer firma.

Pode parecer estranha a dificuldade para se obter o cadastro. Afinal, o órgão concedente, a Receita Federal, deve ser a entidade mais interessada na formalização do maior número de empresas. Mas a fome de arrecadação, embora inegável, não é maior que o pendor para o emperramento burocrático, uma característica dominante da herança atávica do organismo público brasileiro.

Se quiser trabalhar no mercado formal, o empreendedor terá poucas opções. A solução mais comum será enfrentar a demora de todo o processo de documentação. A alternativa, no caso do CNPJ, será comprar um registro já disponível no mercado, seguindo o processo descrito em reportagem da Gazeta Mercantil.Alguns contabilistas, conta um advogado citado pelo jornal, criam empresas fantasmas, ou de prateleira, com toda a papelada em ordem, para vender a clientes interessados em ganhar tempo. Bastarão algumas adaptações na documentação e tudo ficará pronto para a operação normal da nova companhia.

Se for uma empresa simples, da área de serviços ou de comércio, o cadastro custará entre R$ 2.500 e R$ 5 mil, informa a reportagem. O custo poderá chegar a R$ 30 mil, se for uma atividade complexa e dependente de maior número de licenças. Não só pequenos empreendedores, portanto, recorrem a esse meio para contornar os obstáculos burocráticos.

As dificuldades legais para abertura e encerramento de firmas são apontadas, há muito tempo, como uma das principais desvantagens competitivas do Brasil. Não há, quanto a isso, divergência entre os especialistas em análise de competitividade e de atratividade de capitais de risco.

O Banco Mundial divulga periodicamente uma análise comparativa de algumas dezenas de países, com o foco no ambiente de negócios. Corrupção, segurança jurídica, estabilidade das normas, carga tributária e complicação burocrática são alguns dos itens principais. A classificação do Brasil tem sido invariavelmente ruim, embora seus indicadores de corrupção sejam melhores que os de várias economias emergentes.

A maioria dos países emergentes, no entanto, tem vantagens evidentes em itens como carga tributária e regulação do mercado de trabalho. Mas a comparação com os demais emergentes não basta para uma boa avaliação da capacidade brasileira de atrair capitais e de competir no mercado global. O País tem de concorrer também com os industrializados. Quando se confrontam as condições legais e burocráticas do ambiente de negócios, a desvantagem brasileira é ostensiva.

Em algumas economias avançadas é possível abrir ou fechar uma empresa em poucos dias ou semanas. No Brasil, a constituição de uma empresa, segundo o Banco Mundial, pode consumir 152 dias. Dificilmente levará menos que 60 dias, segundo profissionais especializados em cuidar da papelada.

O poder público tem tomado algumas iniciativas para reduzir os entraves burocráticos à atividade empresarial, mas os progressos têm sido muito modestos. O sistema tributário é um bom exemplo de como o governo dificulta os negócios e a criação de empregos. A empresa brasileira paga muito mais impostos e contribuições do que as suas concorrentes, mas a desvantagem não é só essa. Além de pagar somas enormes ao poder público, ainda tem de gastar muitas horas de trabalho administrativo só para cuidar das obrigações fiscais. A formalização, portanto, é só o primeiro obstáculo. Há muitos outros no caminho de quem vence a prova inicial.

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