Título: Processo deveria ser mais humanizado, diz senadora
Autor: Leal, Luciana Nunes
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2008, Vida&, p. A29

Na ficha de adoção é preciso escolher sexo, idade e cor, como se se comprasse um objeto, diz Patrícia Saboya

Há quase dois anos, o chefe de gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho, inscreveu-se, com a mulher, Floripis, a Flor, na lista de pretendentes à adoção no Juizado da Infância e da Adolescência de Brasília. De abril de 2006 para cá, ele viu de perto o excesso de burocracia e as carências do processo de adoção no País.

Depois de assistir a uma palestra e preencher um questionário indicando as características da criança que pretende adotar, o casal foi entrevistado por uma assistente social do juizado e recebeu em casa a visita de outro profissional, que pretendia conhecer o ambiente onde viverá o filho adotivo. Com as aprovações necessárias, o casal entrou na lista de pretendentes em outubro de 2006.

Como o tempo passava sem que tivesse notícia de uma criança disponível, Gilberto Carvalho passou a buscar alternativas em outras comarcas. ¿Mas eles informavam que teríamos que passar por todo o processo de novo: inscrição, preenchimento do questionário, entrevista, visita. Somente na comarca de União da Vitória, no Paraná, aceitaram que enviássemos o processo já aberto em Brasília. Mas levou três meses para o processo chegar lá. A alegação é que (o juizado) não tem recursos e acredito que seja verdade mesmo¿, diz o chefe de gabinete.

Carvalho e Flor escolheram uma menina, com idade de até dois anos, morena ou branca. ¿Vamos abrir a ficha para crianças mais velhas e também para as que têm um irmão¿, diz ele, na esperança de que em breve tenha uma ou duas crianças em casa. ¿Algo me diz que até agosto teremos resolvido¿, diz Carvalho, de 57 anos, pai de dois rapazes e uma moça, do primeiro casamento. A esperança se mantém apesar de o casal saber que, na longa fila de espera, há cerca de 180 pretendentes na frente.

No caso da senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), a espera terminou em 2006, quando adotou Maria Beatriz, que completará três anos em abril.

Cuidadosa em revelar os detalhes da adoção, diz que Bia ¿talvez seja a coisa mais preciosa¿ que aconteceu em sua vida. Mãe de três jovens de 19, 23 e 24 anos, a senadora afirma que viver a mesma experiência na maturidade foi ¿mais tranqüilo¿.

Patrícia lembra, no entanto, as dificuldades da adoção. ¿É um processo muito duro. A espera, a burocracia, a ficha para adoção em que você tem que dizer o sexo, a idade, a cor, se quer cabelo liso ou crespo, como se estivesse comprando um objeto. Acho que o processo deveria ser muito mais humanizado¿, diz Patrícia. A senadora afirma que vai ¿batalhar muito¿ para ser a relatora da Lei Nacional da Adoção, quando chegar ao Senado, se for aprovada no plenário da Câmara. Para ela, ¿só a experiência pessoal¿ é capaz de entender a realidade da adoção no País.

Este também é o sentimento do deputado João Matos (PMDB-SC), autor do projeto de lei. Em 1987, ele e a mulher, que já tinham três filhos adultos, resolveram adotar o menino Cleber, de 10 meses. O casal recebeu logo a guarda do bebê, entregue pela mãe que dizia não ter condições de criá-lo e, dois anos depois, a adoção foi formalizada. Aos 15 anos, Cleber morreu, vítima de um tumor no cérebro, conseqüência em um atropelamento sofrido pelo menino seis anos antes.

¿Hoje ele teria 22 anos. Eu e minha mulher sempre falávamos em adotar e, depois que vimos as dificuldades daquela mãe, tomamos a decisão¿, conta. Um projeto de lei de João Matos aprovado em 2002 instituiu o 25 de maio como Dia Nacional da Adoção. Essa foi a data em que, em 1995, se realizou na cidade de Rio Claro (SP), o primeiro Encontro Nacional de Apoio à Adoção (Enapa), fórum de debates sobre o tema que terá este ano a 13ª edição.

Links Patrocinados