Título: Somos ricos o suficiente para alterar o rumo do aquecimento
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2008, Vida&, p. A30

Segundo a especialista, a proteção do meio ambiente deve seguir no mesmo sentido do crescimento econômico

Ministros de Meio Ambiente dos países mais ricos do mundo, vinculados à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), assim como autoridades convidadas, entre os quais a ministra brasileira Marina Silva, debaterão amanhã em Paris o preço do aquecimento global. O cálculo da fatura para reverter ou impedir que se agravem os estragos provocados pelo homem desde a Revolução Industrial foi pesquisado por economistas da OCDE ao longo de meses. Sua síntese: se os governos nacionais não tomarem medidas conjuntas para estabilizá-las, as emissões mundiais de gases de efeito estufa crescerão 37% até 2030 e 52% até 2050. No primeiro cenário, um bilhão de pessoas viverão em regiões afetadas pelo stress climático e a produção agrícola terá de crescer 10% para compensar o risco de fome no planeta. Até 2030, o PIB mundial dobrará. Seria necessário 1% dele para reduzir o ritmo de crescimento das emissões dos poluentes atmosféricos a 12%. A questão é: como e onde investir para garantir a desaceleração das emissões de gases nocivos? O Estado fez essa e outras perguntas a Jan Corffee-Morlot, economista da OCDE e co-autora da pesquisa Perspectivas para o Meio Ambiente, que servirá de base para as discussões governamentais. Segundo ela, os emergentes têm papel decisivo - para o bem ou para o mal. Até 2030, Brasil, Rússia, Índia e China, os quatro novos motores da economia global, causarão mais estrago que todos os 30 países mais ricos. A fatura, diz Corffee-Morlot, deve ser paga por todos.

Tomar medidas para estabilizar as emissões de gases-estufa é necessidade urgente. Qual é o custo?

Nosso relatório demonstra que estabilizar as emissões é um desafio crucial neste momento. Há consenso na comunidade científica de que as mudanças climáticas estão em curso, e temos demonstrações constantes de que o aquecimento global já está transformando nosso cotidiano. As medidas para combatê-lo precisam ser tomadas com urgência. Mas o importante é ressaltar que, hoje, somos ricos o suficiente para produzir essa alteração nos rumos do nosso desenvolvimento. O relatório indica que seria necessário 1% do PIB para reduzir em quase dois terços o crescimento das emissões de gases de efeito estufa nas próximas duas décadas. Esse é um custo acessível. Além disso, é possível gerar riqueza ao transformar nossa atual matriz de crescimento, muito poluente, em uma ambientalmente sustentável.

Como fazer com que os custos da atenuação dos efeitos do aquecimento global sejam baixos? E quais são os mecanismos de financiamento para isso?

Temos alguns mecanismos que já estão em curso. O mercado de carbono é um deles. É importante que atribuamos aos mecanismos de mercado um lugar importante dentre as soluções para que o custo da mudança de nossa matriz de desenvolvimento seja baixo. As ecotaxas e as taxas de carbono associam um preço às emissões. Elas desencorajam as atividades que poluem e encorajam técnicas de produção menos poluentes e modos de consumo mais adequados. Elas são um sinal econômico que enviamos aos produtores e consumidores, que alteram seus hábitos de forma a reduzir o consumo de energia e as emissões de gases nocivos à atmosfera. Outra alternativa são os direitos de emissão, um mecanismo complexo que ainda precisa ser melhor delineado, com objetivos fixos e um sistema de concessão de direitos de emissão para cada participante. Mas, quando estiver em funcionamento, ele nos permitirá alcançar, pelo custo das taxas, índices de redução das emissões mais seguros. Além disso, precisamos estimular as reformas fiscais ecológicas.

Mercado para combater o aquecimento global. Mas mercado é a única solução?

Não, não. Há medidas não econômicas que podem completar os instrumentos de mercado. Podemos estabelecer legislações e normas para pressionar pela melhor eficiência energética. A indústria da construção é um exemplo. As taxas sobre energia não foram até hoje suficientes para que proprietários invistam em sistemas de aquecimento e iluminação mais eficientes, no sentido de transformá-los em imóveis ecológicos. Na Europa, são os locatários que acabam pagando essas taxas, e não os proprietários. É preciso readequar essa legislação. Outro instrumento importante são as etiquetas de desempenho energético nos eletrodomésticos.

Então seria necessário criar legislações que obriguem, por exemplo, a indústria da construção e dos eletrodomésticos a projetar produtos mais eficientes?

Sim. Precisamos criar instrumentos para pressionar por mudança de comportamento. Ela viria associada aos mecanismos de maior alcance, como taxas e direitos de emissões gerenciadas pelo mercado.

O Brasil propõe a transferência de recursos, ou seja, o pagamento para países que preservarem suas florestas. Essa proposta é justa?

A questão do desflorestamento é uma das mais importantes no que diz respeito às alterações climáticas. Pesquisas científicas indicam que a queima de carbono é grave nos países que não preservam reservas ambientais. Nesse sentido, a proposta do Brasil é bem-vinda e deve ser estudada. Mas não é a única. Há outras que podem se somar aos mecanismos de mercado para reduzir emissões e alterar a matriz de desenvolvimento econômico.

Os negócios envolvendo a economia verde não são muito pouco lucrativos para conquistar a atenção do mundo empresarial?

O desafio é torná-los cada vez mais lucrativos. É verdade que ainda não temos a mesma eficiência econômica quando falamos de economia verde, ambientalmente sustentável. Mas também é verdade que estamos caminhando rapidamente nesse sentido. E não temos escolha. As medidas para reduzir o ritmo das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera precisam ser tomadas com urgência, sob pena de os efeitos se tornarem devastadores. Quando mais tarde investirmos na mudança de nosso perfil econômico, mais caro será.

Quais são os bons exemplos em termos de negócios ambientalmente sustentáveis?

Temos alguns exemplos promissores na área de energias renováveis, por exemplo. A energia eólica tem se mostrado viável e lucrativa do ponto de vista econômico. Há outros exemplos, como segmentos da indústria da construção civil que já começam a se orientar para projetos sustentáveis, planejando a redução do consumo de gás e de energia com sistemas de aquecimento mais inteligentes. São exemplos como esses que temos de estimular. O mercado e as leis se encarregarão de tornar a economia verde economicamente lucrativa no futuro.

Biocombustíveis surgiram como um ¿negócio verde¿ extremamente viável, mas enfrentam críticas, tanto sobre sua capacidade de poluir menos, quanto sobre a pressão que exercem sobre o preço dos alimentos. Qual sua posição?

Os biocombustíveis atuais não são uma solução para o problema do meio ambiente. Não falo apenas pela questão de seu impacto na produção de alimentos, mas também em sua capacidade de reduzir as emissões na atmosfera. Ainda precisamos de estudos mais completos que nos indiquem se eles são realmente muito mais eficientes do que os combustíveis convencionais. A questão da pressão sobre o preço dos alimentos já vinha sendo discutida desde o ano passado. Vários estudos, incluindo um da OCDE, questionam as vantagens dos biocombustíveis, sua contribuição para a redução das emissões e o impacto da produção sobre o meio ambiente.

O etanol à base de cana-de-açúcar, e não de um alimento como o milho, não é uma solução?

Talvez para o Brasil, que pode produzir cana-de-açúcar. O País certamente tem uma experiência pioneira, mas talvez seja mais prudente aguardarmos a produção dos biocombustíveis de segunda geração para analisarmos sua real viabilidade econômica em escala mundial. E, além do impacto sobre o preço dos alimentos, não estamos certos de que outros países e continentes possam produzir etanol a partir do milho, da beterraba ou de outros produtos agrícolas sem que sejam necessários subsídios. E esse é um risco grave. Se criamos subsídios, no futuro será muito difícil extingui-los. Em lugar de estimular subsídios à produção dos atuais biocombustíveis, para torná-los comercialmente viáveis, consideramos que o mais adequado seria investir em pesquisa para os biocombustíveis de segunda geração, produzidos, por exemplo, a partir de rejeitos agrícolas. Eles não seriam concorrentes para a produção de alimentos e certamente teríamos menos efeitos nocivos para o ambiente. A proteção do meio ambiente deve andar no mesmo sentido do crescimento econômico. Se não agirmos, viveremos conseqüências mais e mais claras para o bem-estar humano e econômico. Além da falta de alimentos, precisamos refletir sobre problemas como a disponibilidade de água.

Quem deve pagar a fatura: ricos, como EUA e Europa, ou emergentes, como Brasil, Rússia, Índia e China?

Esse é o centro dos debates. Nossa visão é que os países industrializados não conseguirão resolver o impasse sem a cooperação internacional. A articulação entre os países da OCDE e economias emergentes, em especial Brasil, Rússia, Índia e China, mas também Indonésia e África do Sul, entre outros, é essencial. Os desafios do aquecimento global são desafios planetários e precisam de soluções planetárias. Mas os países da OCDE reconhecem o princípio das ¿responsabilidades comuns, mas diferentes¿, e admitem trabalhar em parceria com países emergentes no que diz respeito à transferência de tecnologias e mecanismos financeiros. Um dos desafios é encontrar a parceria ideal para partilhar o custo das intervenções necessárias.

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