Título: Crescimento dos países asiáticos e OMC criaram a crise
Autor: Chiara, Márcia De
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2008, Economia, p. B4

Para especialista, regra da entidade que veta a formação de estoques pelos países ajuda a agravar uma situação que já é difícil

A crise mundial na oferta de alimentos é fruto do crescimento acelerado dos países, especialmente dos asiáticos, combinado com a regra da Organização Mundial de Comércio (OMC) que substituiu a política de formação de estoques de alimentos. A idéia era que, se todos os países disponibilizassem a sua oferta no mercado internacional, produziriam um sistema que neutralizaria os aumentos de preços das commodities. O diagnóstico da crise é do professor titular de Economia da Universidade de São Paulo (USP), Guilherme Leite da Silva Dias, que, por duas vezes, foi secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura.

Segundo ele, o Brasil fez bobagem ao reter, na semana passada, as exportações de arroz dos estoques do governo. Para o economista, ao segurar os produtos, Brasil, Argentina e outros países estão propagando o pânico e agravando a situação de oferta de alimentos, que não é tão dramática. A seguir, trechos da entrevista.

Como o sr. avalia a crise dos alimentos?

Hoje há uma combinação de números muito diferente do que vinha tendo desde 1997. Temos redução de estoques em relação ao nível de consumo. Não é algo grave quando se compara o conjunto das commodities. Algumas estão com suprimento mais apertado e outras, menos. O conjunto parece ser alguma coisa crítica. Acho que o que precipitou a crise do ano passado para cá foi que o mercado começou a fazer as contas. Viu o crescimento da demanda na China e nos países que estão se expandido mais rapidamente e constatou que, se não houver uma resposta violenta da produção nos próximos anos, isso vai virar um problemão. Esses cálculos começaram a ser feitos por muita gente respeitável. Além disso, a safra mundial 2007/2008 não foi uma boa resposta. Aí começou essa corrida, que convergiu para o quadro atual. Os últimos quatro meses foram marcados pelo comportamento de vários países, que suspenderam as exportações por frustrações de safra. Isso desencadeou um jogo de pânico.

Então há um componente mais especulativo do que estrutural?

Não. Há um componente estrutural. Os estoques estão menores do que nos últimos dez anos. Nenhuma coisa dramática que vá provocar a morte de 20% da humanidade, mas os números estão piores. Com números piores e o bloco de países da Ásia que está querendo cada vez mais comida e a produção não está aumentando, há mais fator conjuntural em cima do estrutural. A partir daí, a reação individual de países precipitou o processo. A Argentina, que segurou a exportação de trigo, e o Brasil, que repetiu na semana passada essa bobagem. A retenção das exportações começou nos países da Europa Central. Depois, se propagou para o resto do mundo. De um mês para cá, vários países seguraram as exportações. Começou com o arroz na Indonésia e foi se espalhando. E nós entramos nessa, na onda do arroz.

O sr. acha que foi uma bobagem essa decisão do governo brasileiro de reter exportações de arroz?

Os países que seguraram as exportações deram um sinal de pânico. Essa decisão indica que os estoques estão baixos. O Brasil não deveria ter entrado nessa. No caso do arroz, a safra do Rio Grande do Sul é esplêndida.

O sr. acha que faltou uma política pública para equacionar a escassez dos alimentos?

Olhando o mercado mundial, acho que sim. Tem um efeito colateral do sucesso obtido com a Rodada Uruguai, de 1995, que criou a Organização Mundial do Comércio (OMC). Nessa rodada, ficou combinado que os países parariam de fazer políticas domésticas que afetassem negativamente o mercado internacional. O que era uma política feita após a 2ª Guerra Mundial, em que vários países iam tentando formar um sistema de estoques emergenciais dentro do seu próprio mercado, foi substituído pela expectativa de que se todos os países disponibilizassem a sua oferta no mercado internacional produziriam um sistema que neutralizaria os aumentos de preços. Com isso, interrompe-se aquela política ativa de manter um estoque grandão de reserva. Com a entrada da China no sistema em 1998, ela fez exatamente o que estava escrito. A partir de 2002 e 2003, começam a cair os estoques de emergência dos chineses, que eram monstruosos. Os Estados Unidos começaram a fazer essa redução, aí o presidente Bush inventou aquela coisa louca de declarar que pretendia fazer mais etanol a partir do milho. Resultado: desandaram os estoques de milho em dois anos. Hoje, não há no mundo um mecanismo que mostre o tipo de política que se deve adotar quando os estoques estão diminuindo. Se um país achar que os estoques do mundo estão baixando demais e decidir oferecer subsídios aos seus produtores para produzirem mais é algo que viola o acordo com a OMC. Falta hoje esse instrumento. Essa crise dos alimentos é fruto do crescimento acelerado dos países combinado com as regras da OMC.

Qual é o papel dos estoques reguladores para conter a crise?

São muito pequenos em relação ao tamanho do problema. Se os países começam a dar sinal de que o estoque é meu, isso leva a esse quadro de pânico. De uns dois meses para cá, foi isso que aconteceu.

Como resolver essa crise?

É preciso traçar estratégias para ajudar países que estejam à beira da crise. É preciso uma política de cooperação internacional.

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