Título: Petróleo, a nova esperança da África
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2008, Economia, p. B8
Após confirmar a existência de megarreservas, países tentam garantir que dinheiro seja usado para reduzir a pobreza
No centro de Monróvia, na Libéria, as tropas internacionais da ONU foram obrigadas a cercar cemitérios com arames e muros. Muitas pessoas que não têm onde morar usavam os túmulos como cama, principalmente aqueles com algum tipo de teto. Mas, na cidade devastada pela guerra e pela ditadura do ex-presidente Charles Taylor, uma nova esperança parece surgir: o petróleo.
Com a demanda por energia explodindo no mundo e o preço do barril de atingindo níveis recordes todos os dias, a África se transforma na nova fronteira da exploração. Nas capitais dos países africanos, um sentimento de esperança por novos recursos e temores por velhos conflitos toma conta das autoridades e das lideranças locais.
A região ainda corre o risco de se tornar palco de disputas entre os interesses americanos, europeus, chineses, russos, indianos e até brasileiros. Estimativas da própria Casa Branca apontam que 25% do petróleo que consumirá em 2015 virá do oeste da África.
A região poderia ter cerca de 10% do petróleo mundial, segundo algumas estimativas. No fim do ano passado, o governo de Gana declarou ter encontrado uma reserva com 3 bilhões de barris em sua costa. Para tentar tirar melhor proveito e não cair nos erros de outros países emergentes que não souberam aproveitar os lucros do petróleo, os africanos pediram ajuda dos noruegueses, conhecido por terem transformado o petróleo no Mar o Norte num fator de riqueza para os seus 4 milhões de habitantes.
Erik Solheim, ministro da Noruega para o Desenvolvimento, foi rápido em alertar: ¿É importante aceitar que a renda do petróleo pertence a todos e não apenas aos políticos e empresários.¿ No fundo, todos os esforços são dirigidos para evitar o que ocorreu na Nigéria. O país descobriu petróleo há cerca de 50 anos e hoje é o 10º maior produtor mundial e 5º maior fornecedor para os Estados Unidos, com uma reserva provada de 36 bilhões de barris.
O petróleo já somou ganhos de US$ 650 bilhões nas últimas três décadas ao país e a exportação do combustível representa 90% da renda do Estado. Empresas como a Chevron e a Shell contam com a Nigéria para quase um quarto de sua renda. Mas 70% dos 130 milhões de nigerianos vivem com menos de US$ 1 por dia. Inexplicavelmente, o país tem uma dívida externa de US$ 40 bilhões.
Gana e outros países da região querem evitar isso. Pelas contas da ONU, um país como Gana precisa de ¿apenas¿ US$ 500 milhões para garantir saúde e educação à população. Comparativamente, o valor é pequeno diante dos lucros do petróleo. Mas tudo dependerá de como os recursos serão utilizados.
Na semana passada, o presidente de Gana, John Kufuor, voltou a comemorar o descobrimento. ¿O futuro é brilhante¿, afirmou. A empresa que descobriu a reserva foi a britânica Tullow Oil PLC. Na região, a empresa nacional - a Ghana National Petroleum Corp - tem uma participação de apenas 23%. Kufour garante que estabelecerá leis que impedirão os desvios dos recursos. ¿Vamos transformar nossa economia num tigre africano¿, afirmou.
Não distante de Gana, a Libéria também procura seu petróleo. A guerra nos últimos 14 anos, que matou 200 mil pessoas, evitou que a busca começasse antes. ¿Temos suspeitas de que nossa costa conta com importantes reservas e estamos procurando¿, afirmou ao Estado o presidente do Comitê Gestor de Recursos Naturais e Mineração da Libéria, George S. Mullah. ¿Mas tratar desse tema sem informações precisas é muito perigoso na Libéria.¿
Hoje, a frágil democracia e a paz garantida por 13 mil soldados de tropas internacionais tenta sobreviver. A notícia de petróleo é vista com temor. ¿Conhecemos a história sangrenta da África e o que diferentes grupos podem fazer por adquirir o controle de recursos naturais¿, afirmou Mullah.
O temor é o de que grupos tentem retomar o poder por meio da força quando descobrirem a existência do petróleo. ¿O petróleo não é o problema. O problema é a falta de leis, agências de regulação e poder judiciário¿, afirmou o empresário libanês, Faud Saad, que vive no país há três anos e é o prioritário dos dois únicos hotéis de Monróvia. Ele, assim como muitos outros, espera pela descoberta do petróleo para ver seu hotel vazio começar a receber empresários.
A descoberta de petróleo também está mudando outro pequeno país do oeste da África. A pequena São Tomé e Príncipe, com uma população de apenas 199 mil pessoas, poderia estar sentada sobre um reserva de bilhões de barris. Se confirmado e se a renda for distribuída, o petróleo poderia mudar a vida da população, que ganha, em média, US$ 400 por ano.
Não por acaso, delegações da Europa, Japão, China e até do Brasil visitaram a região nos últimos meses. O governo americano não economiza esforços e negocia o estabelecimento de uma base dos Estados Unidos na ilha.
Do outro lado da África, no Sudão, o petróleo já representa 90% da renda do governo. Entre 2005 e 2008, o país duplicou sua produção, chegando a 600 mil barris por dia. Segundo as estimativas do Oil and Gas Journal, os sudaneses teriam uma reserva estimada em 5 bilhões de barris. O Chade também desponta como novo foco das atenções internacionais, principalmente dos chineses.
Por enquanto, porém, os lucros do petróleo são praticamente inexistentes para as populações locais. O Gabão, por exemplo, depende exclusivamente das exportações do petróleo. Mas, ainda assim, é um dos locais com o mais baixo nível de qualidade de vida no mundo. Parte do problema é o desvio dos recursos para grupos privados e elites. Segundo a entidade Transparência Internacional, esses países estão entre os mais corruptos do mundo. Entre 163 classificados em 2006 pela entidade, Nigéria e Angola estavam empatadas na 142ª posição.
Para a Agência Internacional de Energia, o petróleo poderia de fato mudar a história desses países. Pelos cálculos, poderiam economizar 3% do PIB na importação de energia com a produção do que já foi descoberto. O valor seria equivalente a tudo o que recebem como ajuda externa por ano.
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