Título: Uma sentença que não vem nunca
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/05/2008, Nacional, p. A16

Filha de Edna morreu em 2003 e ainda não há punições

Na noite de 31 de maio de 2003, o telefone de Edna Cristina de Andrade tocou. Era R., amiga de sua filha, Mariah, que tentava não soar preocupada. ¿Tia, me perdi das meninas, me ajude a achá-las.¿ Ela tentou o celular de Mariah, sem sucesso, até receber nova ligação. ¿Tia, venha para cá.¿

O festival de rock Unidos pela Paz, no Jockey Club do Paraná, em Curitiba, já começara e a banda subira ao palco, mas os portões estavam fechados e houve tumulto. Quando Edna chegou, a filha estava coberta por um pano. ¿Não estava morta¿, conta. Ela a carregou no colo para uma ambulância, mas Mariah, de 14 anos, morreu a caminho do hospital, em razão de asfixia e pisoteamento.

A tragédia, que tirou a vida de mais 2 adolescentes e feriu outros 60, causou indignação. O local comportava 15 mil pessoas, mas 28 mil ingressos foram vendidos. Não havia segurança suficiente, e o fraco policiamento não conseguiu segurar a multidão. Milhares não puderam entrar por causa da superlotação.

Em um primeiro momento, Edna sentiu a solidariedade de colegas de sua filha, de amigos, de parentes. É o que ela chama de ¿um grande banho de amor¿. ¿Deram-me força para me recuperar, para tocar a vida¿, explica.

Ela lembra ainda do apoio que recebeu dos vereadores da cidade e de advogados. Eles estiveram a seu lado, propondo soluções. Mas não foi o suficiente. ¿O poder público moveu ação, me chamou para depor, chamou as pessoas que se machucaram no show. Mas como a Justiça é lenta ninguém foi culpado pelo caso¿, desabafa. ¿É preciso que se tome alguma providência, não é possível que leve tanto tempo para que se encerre um processo como esse.¿ A ação criminal contra os organizadores do show arrasta-se, de audiência em audiência, desde o dia 2 de julho de 2003.

Hoje, sem apoio do Estado e desiludida com a Justiça, Edna sente abandono. ¿Se houvesse um grupo de que eu pudesse fazer parte, eu estaria lutando, fazendo minha parte, mas me sinto sozinha. Se eu não estivesse sozinha, estaria trilhando um caminho para resolver isso. Mas eu estou sozinha¿, reclama.

Uma opção era criar uma ONG para fiscalizar eventos de grande porte, como o que tirou a vida de Mariah, mas Edna diz que não encontra forças nem tempo hábil para pô-la em prática. ¿Até conseguimos barrar shows com os mesmos problemas, mas não tem como continuar isso. Não tenho autoridade para isso, não tenho como ficar checando documentação.¿

Sob a frustração decorrente da falta de respostas, Edna passa ano a ano por datas que se tornaram insuportáveis. Ela não trabalha no dia do aniversário da filha. O Dia das Mães é difícil. ¿Nesses dias, eu me permito sofrer¿, conta. ¿Não choro por ela todos os dias, mas penso todos os dias nela. E não vou transformar minha filha em uma santa porque ela morreu, mas ela era especial do jeito dela, como toda adolescente.¿

O luto pela perda da filha, por fim, embarga a voz da mãe. Edna trabalha muito e cuida do filho de 16 anos e de sua mãe - ambos moram com ela. Mas a agenda lotada permite que esqueça apenas momentaneamente daquela noite, de cinco anos atrás.

¿Por que tenho que ficar o tempo inteiro nutrindo um sentimento ruim contra as pessoas? Não é isso o que eu quero para a minha vida. Já basta a dor de a Mariah não estar aqui¿, diz Edna. ¿Minha esperança é saber que o dia que Deus me levar talvez eu possa reencontrá-la.¿

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