Título: Plano paga só 19% da dívida com SUS
Autor: Auler, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2008, Vida&, p. A12

Valor equivale ao ressarcimento do gasto de segurados na rede pública; ANS apresentará novo processo de cobrança

No 3º andar do prédio onde funciona a Gerência-Geral de Integração com o Sistema Único de Saúde (SUS), da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no centro do Rio, acumula-se uma parte de 16 milhões de folhas-ofício que juntas cobririam uma extensão de dois quilômetros, pesam 75 toneladas e correspondem a 1.500 árvores.

Essa papelada, guardada em 16 mil caixas, refere-se às cobranças da ANS aos planos de saúde suplementar pelo ressarcimento de 460 mil internações hospitalares, desde 2000, dos seus associados em hospitais conveniados ao SUS. A agência ainda tem outras 273 mil autorizações de internação hospitalar (AIHs), de abril de 2006 a dezembro de 2007, por examinar.

Apesar da quantidade de papéis, o retorno financeiro é pequeno. Em oito anos, as cobranças totalizaram R$ 472 milhões, valor suficiente para cobrir os gastos que o governo federal previa ter no ano passado com medicamentos biotecnológicos (produzidos com alta tecnologia). Do total cobrado, apenas R$ 87,9 milhões, isto é 18,62%, foram efetivamente pagos. Com os R$ 8,7 milhões parcelados, os ressarcimentos significarão 20,68% dos gastos hospitalares no atendimento a uma parte dos 48,2 milhões de brasileiros com planos de saúde.

O processo de cobrança é considerado ultrapassado e cartorial, permitindo recursos utilizados pelas operadoras dos planos ¿para postergar o pagamento¿, como admite o diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS, José Leôncio Feitosa. Ele apresentará na próxima quarta-feira na Comissão de Fiscalização da Câmara o novo processo de cobrança com o qual a ANS quer ¿acabar com a orgia de instâncias e criar credibilidade com o mercado, para que ele reconheça o que deve ou não¿. Operadoras e entidades ligadas às empresas contestam o ressarcimento.

Leôncio diz que pretende ¿desmistificar que o ressarcimento pode ser fonte de financiamento para o SUS¿. ¿Não pode. Ele é irrisório, corresponde a 0,4% da CPMF¿, diz. Segundo ele, ¿as pessoas com saúde suplementar que utilizam o SUS equivalem a 3% dos 12 milhões de AIHs emitidas por ano (em dados de 2006). Em valor financeiro do que o SUS gasta dá 1,5%¿.

¿Mesmo que recebêssemos os R$ 470 milhões, o que é isto em um orçamento de R$ 50 bilhões? A CPMF gerava R$ 38 bilhões. O que temos a receber em oito anos é um terço do orçamento anual do município do Rio. A importância do ressarcimento para financiamento do SUS é falaciosa. É mentirosa¿, diz.

As cobranças feitas pela ANS têm como referência valores superiores aos que o SUS paga aos hospitais conveniados. ¿Quando eles usam o SUS, caímos no pescoço deles e cobramos duas vezes e meia, em média. Mas o uso é pouco¿, afirma Leôncio. A lei autoriza a cobrança pelo valor mínimo da tabela SUS e o máximo do preço de mercado. Resolução da ANS, de 2000, calculou o valor médio de mercado como cinco vezes a tabela do SUS. ¿Cobramos mais de duas vezes os valores do SUS. A média de preço das operadoras é mais do que o dobro do SUS¿, diz o diretor.

TRÂMITE

De três em três meses, a ANS cruza o banco de dados dos associados a planos de saúde com as informações das AIHs referentes às internações hospitalares - não há cobranças das consultas e dos atendimentos nas emergências. As 156 mil AIHs identificadas por ano geram 13 mil cobranças mensais.

Os planos têm direito a dois recursos administrativos. ¿Mais ou menos 50% das contestações sobre o que cobramos nós deferimos em primeira instância. É conseqüência de um erro grave da legislação. Temos que ter filtros melhores para não cobrarmos errado. São cobranças equivocadas¿, admite Leôncio.

A outra metade, cujos recursos não foram deferidos, se transforma em processos volumosos, como aconteceu com o de número 2.029, de 2005, para ressarcimento de 2.029 internações hospitalares no Estado de São Paulo, de associados de uma mesma operadora que foram atendidos em procedimentos de partos e cirurgias cardíacas. O caso nem sequer foi julgado na primeira instância e conta com 342 volumes, acumulando 63.873 folhas.

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