Título: A surpreendente arrecadação
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2008, Economia, p. B2

Quando o governo perdeu a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), muitos analistas entenderam que os gastos públicos teriam de ser fortemente cortados para que as contas deste ano fechassem. Vários acreditaram, incluindo este colunista, que seria muito difícil até mesmo obter a meta de superávit primário. Na semana passada, o Banco Central (BC) divulgou que o superávit primário do setor público, nos três primeiros meses de 2008, bateu recorde histórico, ao atingir 6,39% do Produto Interno Bruto (PIB).

Para evitar que o reajuste nos preços da gasolina e do óleo diesel, decretado pela Petrobrás na semana passada, chegue ao consumidor final, o governo anunciou que vai reduzir as alíquotas da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) cobradas sobre as vendas desses dois produtos. Com isso, perderá de R$ 2,5 bilhões a R$ 3 bilhões ao ano, ou R$ 2 bilhões em 2008. Ou seja, além de perder a receita da CPMF, o governo reduz as alíquotas de outro tributo e, mesmo assim, mantém o equilíbrio de suas contas. Como isso é possível?

O decreto 6.439, que trata da programação orçamentária e financeira e assinado pelo presidente Lula no dia 22 de abril, prevê que a receita com tributos federais, diretamente administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), exceto a arrecadação do INSS e líquida de restituições, atingirá R$ 448,1 bilhões este ano. Quando o governo encaminhou a proposta orçamentária ao Congresso Nacional, em agosto do ano passado, a projeção do governo para a receita com tributos era de R$ 448,8 bilhões. Nessa estimativa estava incluída a arrecadação da CPMF, de R$ 39,3 bilhões.

Como o governo ainda obteve uma receita de R$ 926 milhões com a CPMF, de janeiro a março deste ano, a perda com o fim do imposto dos cheques é de R$ 38,4 bilhões. Essa perda será compensada pelo crescimento da arrecadação dos outros tributos federais, pois a previsão para a receita deste ano que consta do decreto é praticamente igual, em termos nominais, àquela do projeto de lei orçamentária.

Uma das explicações para o fenômeno é que os parâmetros utilizados para realizar as estimativas das receitas foram fortemente alterados de julho do ano passado a abril deste ano. As previsões que constavam da proposta de lei orçamentária foram elaboradas com base em um crescimento da economia de 4,7% em 2007. A expansão efetiva ficou em 5,4%. A projeção para o deflator implícito (medida da inflação) era de 3,65% em 2007 e 3,7% em 2008. O deflator ficou mais alto no ano passado (4,05%) e, para este ano, o governo já trabalha com 5,63%, segundo o decreto.

Como a economia cresceu mais do que o esperado em 2007 e a inflação também foi maior, a arrecadação do ano passado também foi mais alta. Assim, os parâmetros usados para estimar a arrecadação de 2008 incidiram sobre uma base maior. O coordenador-geral de Previsão e Análise da RFB, Raimundo Eloi de Carvalho, acredita que somente a reavaliação dos parâmetros explica um acréscimo de cerca de R$ 15 bilhões na receita estimada no decreto, em relação ao projeto de lei.

Outra explicação é o aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) paga pelas instituições financeiras. Essas mudanças resultarão em uma receita adicional de R$ 11 bilhões. Mas faltariam explicações para outros R$ 12,4 bilhões (R$ 38,4 bilhões menos R$ 15 bilhões, menos R$ 11 bilhões). Esses decorreriam do crescimento da economia e de ações da RFB contra a sonegação fiscal e a favor da recuperação de débitos.

Mas como é possível avaliar o mesmo efeito do crescimento da economia sobre a arrecadação de maneira tão diferente? ¿Algumas variáveis estão fugindo dos padrões. O crescimento da receita está descolando do crescimento do PIB¿, disse Eloi de Carvalho, em conversa com este colunista. ¿A lucratividade das empresas está crescendo muito.¿

Um levantamento feito pela RFB com as 100 empresas que mais pagam Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL mostrou que, em janeiro de 2006, elas contribuíram com R$ 800 milhões. Em janeiro de 2007, pagaram R$ 900 milhões. Em janeiro de 2008, o pagamento saltou para R$ 6 bilhões. ¿Em janeiro deste ano, elas ficaram fora da curva', disse Carvalho. O aumento da receita do IRPJ e da CSLL resultou, entre outras coisas, de antecipação de pagamento do ajuste anual e de vendas de participações acionárias.

Para Carvalho, ¿a vida de quem faz previsões sobre a receita ficou mais difícil¿. Segundo ele, as dificuldades estão relacionadas, principalmente, com o comportamento da arrecadação do IRPJ e da CSLL. Os modelos tradicionais que relacionam o crescimento da economia à receita desses dois tributos não estão funcionando. ¿Há algo na economia que os modelos não conseguem captar¿, afirmou.

A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados também chamou a atenção, em recente nota técnica, para ¿um vigor imprevisto¿ na arrecadação do primeiro trimestre. É este ¿vigor¿ que os modelos não estão conseguindo dimensionar devidamente e fez com que muitos analistas errassem em suas previsões sobre o comportamento das contas públicas deste ano.

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