Título: Ameaça de mais impostos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2008, Notas e informações, p. A3

O governo espera do Legislativo indicação de como custear gastos com saúde. Falta de recursos não pode ser problema, pois alardeia ter sobra de dinheiro para criar fundo soberano. (Editorial Págs. 1 e A3)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu lavar as mãos e deixar para o Congresso o custo político de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) ou de encontrar outra fonte de financiamento para a saúde. A decisão foi oficializada nessa segunda-feira, em reunião com os ministros da Coordenação Política, no Palácio do Planalto. O Executivo não quer conduzir abertamente a discussão, mas não se oporá à iniciativa de parlamentares da base aliada. O governo não quer reviver o desgaste sofrido no fim do ano, quando foi derrubada no Senado a proposta de renovação da CPMF, disse o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. Mas o governo espera do Legislativo, acrescentou, uma indicação de como custear os gastos previstos na regulamentação da Emenda Constitucional nº 29, já aprovada no Senado e programada para votação no fim do mês, na Camara dos Deputados. Falta explicar por quê. Falta de recursos não pode ser o problema, pois o governo alardeia ter sobra de dinheiro para criar um fundo soberano.

Serão necessários cerca de R$ 8 bilhões por ano para financiar os custos adicionais das ações do setor de saúde, até 2011, segundo estimativas divulgadas em Brasília na semana passada. A Emenda nº 29, aprovada em 2000, estabeleceu a obrigação de um gasto mínimo com saúde e fixou normas aplicáveis até 2005. Essas normas continuam valendo até a adoção de um novo critério por lei complementar. O projeto em tramitação na Câmara obriga a União a aplicar no setor pelo menos 10% de sua receita bruta. A verba atual equivale a cerca de 7% e o orçamento de 2008 destina ao setor R$ 48,5 bilhões. Também está em exame, no governo, um aumento de tributação de cigarros e bebidas para financiar a política de saúde.

O projeto de regulamentação da Emenda nº 29, segundo o ministro José Múcio Monteiro, "só será viável se for aprovado com uma fonte de recursos". Essa declaração foi divulgada no Estado de domingo. Na mesma edição, o jornal noticiou uma nova estimativa de arrecadação federal para 2008. De acordo com o novo cálculo, a receita deverá ultrapassar a previsão orçamentária por uma diferença de R$ 15 bilhões. Não faltam recursos, portanto, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, usou esse argumento para defender a criação de um fundo soberano, destinado a apoiar a internacionalização de empresas brasileiras e a financiar projetos na África e na América do Sul. O governo, segundo ele, poderá recolher bem mais que o necessário para o cumprimento da meta fiscal fixada para este ano.

Também há poucos dias o governo anunciou novas facilidades fiscais para o setor privado, como parte de sua política industrial, e assumiu o compromisso de mais despesas com os salários do funcionalismo. Estavam previstos no orçamento cerca de R$ 3,5 bilhões para reajustes de salários e reestruturação de carreiras funcionais. Com os novos compromissos, o limite foi elevado para cerca de R$ 11 bilhões.

Nenhuma dessas iniciativas era obrigatória e todas são incompatíveis com a alegação de falta de recursos para a saúde ou para qualquer outro setor considerado prioritário para a ação governamental. O problema não é a escassez de dinheiro. É a incapacidade do governo para ordenar seus objetivos segundo uma escala de importância e para administrar com eficiência os meios disponíveis. Em vez de reclamar mais impostos para cuidar da saúde, o governo deveria melhorar seus padrões gerenciais, abandonar planos inoportunos, como o da criação de um fundo soberano, e reduzir a carga tributária para dar mais espaço ao crescimento da economia.

Além do mais, a Emenda nº 29 é um equívoco, assim como outras normas de vinculação orçamentária. Recursos com destinação obrigatória não garantem a qualidade nem a eficiência do gasto. Seu efeito mais provável é o oposto: nenhum Ministério com verbas garantidas tem de exibir competência e bons planos para ganhar espaço no orçamento. Se vinculação fosse garantia de qualidade, a educação e a saúde seriam muito melhores do que são, no País, e muito menos dinheiro teria sido desperdiçado.

O Brasil não precisa de mais impostos. Precisa de mais seriedade e competência na gestão pública.