Título: Lobista assinou liberação de recursos para ONG
Autor: Macedo, Fausto; Almeida, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2008, Nacional, p. A6

Ex-assessor de Paulinho figurou como testemunha do ajuste firmado em setembro de 2001 entre BNDES e ONG Meu Guri, da mulher do pedetista

O lobista João Pedro de Moura, amigo e ex-assessor de Paulinho da Força (PDT-SP), teve importante participação no repasse de R$ 1,32 milhão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a ONG Centro de Atendimento Biopsicossocial Meu Guri, presidida pela mulher do deputado, Elza Pereira. A Polícia Federal constatou que Moura figurou formalmente como testemunha do ajuste entre o BNDES e a Meu Guri, em 27 de setembro de 2001. A Operação Santa Tereza, que investiga suposto desvio de verbas do BNDES, aponta o lobista como peça-chave do esquema.

Por meio de Contrato de Colaboração Financeira Não Reembolsável, o BNDES liberou, naquela ocasião, R$ 1,32 milhão para a Meu Guri. O termo é subscrito por duas testemunhas: Moura e Luiz Fernando Emediato, também aliado de Paulinho e atual presidente do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego.

Para a PF esse fato reforça suspeitas de que as relações entre o lobista e a ONG da mulher de Paulinho vão além da doação de R$ 37,5 mil que ele fez no dia 1º de abril de 2008 - etapa culminante da Santa Tereza que, àquela altura, mirava diretamente Moura e o próprio Paulinho, ambos filmados pela força federal nos corredores da Câmara.

Alguns meses depois de assinar o contrato de 6 cláusulas e 8 páginas prevendo a liberação de recursos para a Meu Guri, Moura foi nomeado conselheiro do BNDES, por indicação da Força Sindical, presidida por Paulinho. O amigo do deputado acumulou as funções de conselheiro fiscal da ONG de Elza Pereira. Até a semana passada seu nome ainda constava do rol de conselheiros da Meu Guri. Quando a PF descobriu o depósito que ele fez para a ONG, seu nome foi excluído do quadro.

A PF suspeita que parte do dinheiro desviado do banco de fomento migrou para organizações não-governamentais. A Justiça Federal decretou quebra do sigilo bancário da Meu Guri e da Luta e Solidariedade, ONG que recebeu depósito de R$ 82 mil do empresário Marcos Mantovani, apontado pela PF como um dos mentores da trama BNDES.

O negócio da Meu Guri foi celebrado com recursos do Fundo Social do BNDES, ¿observado o disposto no parágrafo único da cláusula segunda, no âmbito do Programa de Apoio a Crianças e Jovens em Situação de Risco Social¿. A maior parte do montante, R$ 1,2 milhão, seria destinada ¿às despesas com estudos e projetos, obras e instalações e à adequação de móveis e utensílios¿. Outra parcela, de R$ 88 mil, seria empregada na aquisição de veículos. O restante, R$ 36 mil, na capacitação de recursos humanos.

CANCELAMENTO

Por meio do ofício 376/08, de 14 de maio, Paulo Todescan Lessa Mattos, chefe de gabinete da Presidência do BNDES, informou à Polícia Federal que o prazo para a utilização do dinheiro foi prorrogado de 27 de setembro de 2002 para 27 de junho de 2003, por solicitação da Meu Guri em outubro de 2002.

O delegado Rodrigo Levin, que comanda o inquérito Santa Tereza, questionou o banco sobre o cumprimento do contrato por parte da ONG. A resposta: ¿O objetivo do projeto era a construção de uma sede própria para ampliação da capacidade de atendimento. A obra foi concluída em 95%. No entanto, o prazo para utilização dos recursos remanescentes (R$ 73.372,04, correspondentes a 5,5% do valor total do saldo do contrato) não foi observado pela mutuária, o que causou o cancelamento, por iniciativa do BNDES, em 14 de abril de 2004, do saldo remanescente do crédito decorrente do contrato número 00.2.716.2.1.¿

O banco informa que a empresa RGG Construções Ltda. era a proprietária do imóvel onde Meu Guri foi instalada.

Na época em que a verba foi liberada para a ONG, a diretora da área social do BNDES, Beatriz Azeredo, comemorava o recorde de R$ 1,5 bilhão a serem aplicados em projetos sociais pelo banco. Foi ela, hoje professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), quem assinou a aprovação da verba à Meu Guri. Ontem, Beatriz foi procurada, mas estava em viagem, participando de reuniões, e não retornou o contato do Estado.

A ONG Meu Guri afirmou que o contrato é lícito. O criminalista Frederico Crissiuma, defensor de Moura, informou que seu cliente ¿vai prestar à Justiça todos os esclarecimentos necessários¿.