Título: OMC apresenta 'ascunho final para Rodada Doha
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2008, Economia, p. B12

Entidade quer aproveitar crise dos alimentos para, enfim, fechar um acordo entre emergentes e desenvolvidos

A Organização Mundial do Comércio (OMC) apresentou ontem o que espera ser o rascunho final de um acordo, com novas flexibilidades para os países emergentes e cortes de subsídios considerados ¿interessantes¿ pelo Itamaraty. Mas a proposta, que deve enfrentar resistência nos países ricos e pobres, deixa de fora a liberalização do etanol diante da falta de acordo entre Brasil e Estados Unidos sobre o produto. Os mediadores das negociações da Rodada Doha mostraram quase cem páginas de propostas sobre como liberalizar os setores industrial e agrícola.

A Rodada foi lançada em 2001 e deveria ter sido concluída em 2005. Agora, a tentativa é de fechar um pré-acordo em junho numa reunião ministerial, com base nos textos apresentados ontem. Para o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, está na hora de um acordo, principalmente diante da crise mundial de alimentos.

Segundo ele, o que as novas propostas trazem à mesa é suficiente para atender aos interesses dos países em desenvolvimento em termos de exportação. Mas nem todos estão convencidos disso e vários governos alertam que estão tendo de pagar um preço alto para ter acesso ao mercado europeu.

O preço viria no setor industrial. Para tentar convencer os emergentes a fechar um acordo, a nova proposta dá mais flexibilidade na abertura do setor. O princípio é o de que, quanto maior o corte de tarifas, mais direitos os países terão de escolher setores sensíveis para proteção. No caso do Brasil, esses setores seriam o automobilístico, o químico e o de eletrônicos.

A idéia é que, se um país aceitar cortar mais de 65% de sua tarifa de importação para o setor industrial, terá o direito de escolher uma gama ampla de produtos que continuarão com barreiras. O Brasil e os demais emergentes querem que o corte seja de, no máximo, 50%. Mas o Itamaraty já indicou que poderia flexibilizar sua posição se concessões fossem feitas pelos países ricos. O Mercosul estima que precisa manter pelo menos 16% dos produtos protegidos e com tarifas ainda altas.

Certas concessões também foram apresentadas a Bolívia e Venezuela. Os dois países alegaram que deveriam ser tratados como ¿pequenas economias¿. A idéia de Caracas e La Paz é que, sem o petróleo ou gás, têm uma economia frágil e, portanto, não deveriam ser obrigadas a amplas aberturas de mercado. Pela proposta, os venezuelanos poderiam manter barreiras às importações, mas longe do volume de taxas que pediam.

Pela fórmula criada pela OMC, o coeficiente de corte variaria entre 19 e 26 - quanto menor o coeficiente, maior seria o corte. Os países emergentes alegam que, sem espaço para manter as tarifas, não têm como aceitar uma Rodada que teria como objetivo gerar desenvolvimento. O novo texto apresentado pelo mediador das negociações industriais amplia a abrangência dos possíveis cortes de tarifas sobre bens manufaturados, na esperança de que isso facilite umacordo.

No caso das economias emergentes, a proposta anterior previa que o coeficiente variaria entre apenas 19 e 23, o que representaria um corte de tarifas de pelo menos 60% no Brasil no setor industrial. Pelo novo texto, esses países recebem três opções, dependendo do grau de proteção que queiram dar a seus setores industriais.

Se o Brasil optar por cortar apenas 55% das tarifas, não poderá praticamente escolher nenhum setor como isento de proteção extra. Se optar por um corte maior, poderá indicar até 14% de sua pauta de importação como produtos imunes de liberalização profunda. ¿O Brasil terá de optar entre escolher alguns poucos setores para proteger e sacrificar os demais ou fazer um corte menos profundo, mas atingindo toda a economia¿, disse um diplomata.

Os países ricos alertam que só com acesso aos mercados das economias emergentes é que poderiam liberalizar seus setores agrícolas. A Associação de Indústrias dos Estados Unidos já deixou claro à Casa Branca que somente apoiará um acordo que dê acesso aos mercados de Brasil, Índia e China.

No que se refere à agricultura, a nova proposta mantém parâmetros parecidos com o de seu último texto, limitando os subsídios agrícolas a entre US$ 13 bilhões e US$ 16,5 bilhões por ano nos EUA. O Brasil, porém, comemorou o fato de que os números dessa vez vieram entre colchetes, o que, na linguagem diplomática, significa a possibilidade de uma negociação.

Na avaliação do Itamaraty, significa que poderiam ser ainda mais baixos os níveis dos subsídios. Hoje os americanos insistem que precisariam dar ao menos US$ 21 bilhões, ainda que nos debates internos tenham admitido chegar perto de US$ 16 bilhões. O Brasil quer US$ 12 bilhões como teto para os subsídios. Com a alta nos preços dos alimentos, a tese é de que os produtores precisariam de um volume menor de subsídios nos EUA para obter lucros. Para o Brasil, portanto, o momento é ¿ideal¿ para fechar um acordo, congelando os subsídios a níveis mais baixos.

ETANOL

Mais uma vez, o etanol ficou de fora das propostas apresentadas. Os países negociam uma lista de produtos considerados ambientais. Mas, diante da falta de um acordo entre Brasil e os países ricos, os mediadores da OMC optaram por não citar nenhum produto.