Título: Manobra tenta atrasar votação de verba para saúde
Autor: Madueño, Denise
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2008, Nacional, p. A4

Idéia é devolver proposta ao Senado, achar fontes de recursos e evitar desgaste de Lula com veto à emenda

A base aliada do Palácio do Planalto na Câmara trabalha para modificar a Emenda 29, que dá mais dinheiro para a saúde, com um objetivo político: devolver a proposta ao Senado, dar tempo ao governo para discutir melhor as novas fontes de recursos e evitar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha de passar pelo constrangimento de vetar uma medida popular em ano eleitoral. Pelas regras do Congresso, se os deputados modificarem uma proposta do Senado, essas alterações têm de ser submetidas novamente ao crivo dos senadores.

¿Se não resolvermos isso, vamos dar discurso para a oposição, porque o presidente Lula terá de sofrer o desgaste de vetar o texto. Faremos de tudo para impedir esse gol contra¿, disse ao Estado o deputado Henrique Eduardo Alves (RN), líder do PMDB na Câmara. A votação do projeto de lei complementar, conhecido como regulamentação da Emenda 29, está marcada para a próxima semana no plenário da Câmara.

A estratégia governista é votar um único projeto, que aumente a verba para a saúde e crie uma nova contribuição, similar à CPMF, de 0,1% sobre as movimentações financeiras. Essa vinculação pode facilitar a aprovação do novo tributo, diluindo o desgaste político.

Em abril, quando o projeto passou no Senado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou desagrado e transferiu à base a responsabilidade de criar uma nova fonte de recursos. Foi avisado, porém, que deputados da base votariam pela aprovação do texto, sobrando para ele o desgaste de vetá-lo ou de cortar gastos em outros setores do governo.

O projeto do Senado estabelece que a União será obrigada a aplicar anualmente 10% das receitas correntes brutas em saúde pública a partir de 2011. Em 2008, serão 8,5%. Esse percentual será de 9% em 2009 e de 9,5%, em 2010.

O líder do PT, Maurício Rands (PE), afirmou ontem que a idéia é apresentar uma alteração no texto aprovado pelos senadores. ¿O Senado ficou no meio do caminho. Cabe a nós imprimirmos uma solução¿, disse.

PROJETO DE LEI

Com o formato governista, a criação da contribuição seria por meio de projeto de lei complementar, não por emenda constitucional, como a CPMF. Para aprovar um projeto de lei complementar são necessários 257 votos dos deputados - a emenda exige 308 votos.

Para justificar essa forma jurídica, os líderes governistas estão reunindo argumentos constitucionais. Além de citar diversos artigos da Constituição, Rands lembra que há uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite ao Congresso criar o novo tributo. ¿O consenso é de que não há impedimento jurídico para a criação de uma contribuição por meio de lei complementar¿, argumentou.

Ministros do Supremo confirmam essa interpretação. A Constituição de 1988, no artigo 149, de acordo com eles, permite que o Legislativo crie impostos e contribuições, o que era atribuição exclusiva do Executivo conforme a Constituição de 1967. Já há julgamentos no Supremo que reconhecem a possibilidade de o Legislativo propor a criação de tributos.

APROVAÇÃO

O projeto do Senado foi aprovado ontem na Comissão de Seguridade Social da Câmara sem modificações. O PT tentou evitar a votação na comissão.

A deputada Cida Diogo (PT-RJ) argumentou que se deveria, em primeiro lugar, definir o impacto orçamentário e a origem dos recursos para cobrir as despesas com saúde.

O deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), um dos coordenadores da Frente Parlamentar de Saúde, criticou. ¿É lamentável o que o PT está fazendo agora. Está dando uma rasteira na saúde, uma bofetada na população que depende do SUS.¿ COLABORARAM VERA ROSA E FELIPE RECONDO

O IMPASSE PONTO A PONTO

A emenda Em 2000, num movimento suprapartidário, a Emenda 29 é aprovada. Pela emenda, União, Estados e municípios teriam de reservar parte de suas verbas para saúde

Regulamentação

A emenda entrou em vigor em 2001 e, pela lei, deveria ser regulamentada em 2004.

Caso isso não ocorresse, regras usadas até então deveriam ser mantidas

Na gaveta

Apesar da pressão de setores ligados à saúde, sua regulamentação foi postergada. O temor era que regras mais rígidas de vinculação fossem aprovadas

Pelo ralo

Pela regra vigente, não há definição do que são gastos em saúde. A brecha é usada por Estados e parte dos municípios para driblar a

Emenda 29

Resgate

Desde que assumiu a Saúde, José Gomes Temporão reivindica recursos extras, que seriam usados no PAC de sua área. Ele reforçou a defesa pela regulamentação

Voto casado

Com a ameaça da não-renovação da CPMF, base mudou o projeto: atrelou repasses da União a valores crescentes da CPMF. A medida foi aprovada em outubro

Revés

Com a derrota da CPMF, governo diz não haver dinheiro para garantir vinculação.

Oposição aprovou projeto do senador Tião Viana (PT-AC) para regulamentar emenda

Dilema

Projeto agora deve ir à Câmara e à sanção presidencial.

Ou Planalto o aprova e reduz liberdade para uso de verba do orçamento ou o reprova e arca com prejuízos políticos

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