Título: Livro em branco
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2008, Nacional, p. A6
Se nenhum obstáculo mais se antepuser ao comum acordo entre governo e oposição, a CPI dos Cartões Corporativos termina na semana que vem. Anunciam-se dois relatórios finais - um oficial, outro paralelo -, mas, a rigor, não seria preciso apresentar nenhum.
Por absoluta falta de conclusões a serem descritas, seja nas considerações do relator petista Luiz Sérgio ou nas alegações prometidas ¿em separado¿ pela oposição. De qualquer forma, será interessante esperar pelo que têm a dizer suas excelências sobre dois meses de pura embromação.
Não por carência de suspeitas a serem esclarecidas, mas talvez por excesso.
A CPI foi criada para investigar o uso dos cartões corporativos e os gastos secretos da Presidência da República, por causa do aumento de 129% nas despesas de 2007 em relação às de 2006.
O Congresso instalou uma comissão de inquérito para apurar também a razão de 75% desses gastos terem sido feitos em saques diretos nos caixas eletrônicos, impermeáveis a controle, e para tentar lançar alguma luz sobre os gastos ditos sigilosos da Presidência, que só em 2007 somaram R$ 3,6 milhões.
A idéia era abrir a caixa-preta, examinar as notas, faturas, destrinchar os detalhes de despesas de viagens de ministros que fizeram a alegria das locadoras de automóveis, saber o que mais de esquisito havia por trás da misteriosa rubrica cartões corporativos.
No meio do caminho, apareceu mais entulho para ser remexido. Descobriu-se que o governo entrou seguro na CPI porque pretendia burlar a regra do jogo, enfrentar a oposição com um dossiê e usar a maioria para interditar o andamento das investigações.
Foram mandadas caixas e caixas de papéis para a CPI, ouviram-se pessoas atestando a existência do dossiê e revelando nome e sobrenome de meia dúzia de artífices, todos subordinados diretos da ministra da Casa Civil, mas de substancial nada se produziu.
A campeã dos gastos, Matilde Ribeiro, saiu ¿a pedido¿, o debate jurídico sobre a legalidade da manutenção de sigilo indiscriminado sobre despesas da Presidência se perdeu ainda nas primeiras e informais manifestações contrárias de juristas e magistrados e ninguém mais falou coisa alguma sobre os cartões em si.
Não tendo havido investigação nem novas revelações, fica difícil imaginar com qual material senadores e deputados trabalharão para apresentar não um, mas dois relatórios.
O relator Luiz Sérgio, do PT, informa que está pronto para apresentar seu relatório no próximo dia 29 e a presidente Marisa Serrano, do PSDB, avisa que se ¿continuar assim¿ encerra a CPI e ajuda a elaborar as conclusões paralelas.
Sobre o quê? Obviedades.
Discorrerão longamente sobre a necessidade imperiosa de encontrar uma forma mais ¿transparente¿ de lidar com esse tipo de despesa, falarão um pouco sobre recomendações às instâncias de fiscalização, como Tribunal de Contas e Ministério Público, citarão três ou quatro nomes já conhecidos e, nada mais havendo a ser dito, será declarada encerrada aquela função.
E o dossiê? O dossiê, claro, ficará junto com Waldomiro Diniz e os aloprados, no aguardo das conclusões do inquérito da Polícia Federal.
Paralelas
O ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, garante: ¿O Palácio do Planalto não vai entrar na queda-de-braço para aprovar a volta da CPMF.¿
Então, não vai passar.
A menos que calibre a distância, como fez em eleições da presidência da Câmara. Na que resultou na eleição de Severino Cavalcanti, o Planalto ficou longe e perdeu. Na seguinte, chegou perto e elegeu Aldo Rebelo.
Tropa da escória
Pode não parecer, mas reuniões assemelhadas à da CPI dos Cartões na terça-feira, não são inúteis.
São verdadeiras aulas magnas sobre a natureza humana. Mostram a que ponto homens e mulheres estão dispostos a chegar, na frente de todo mundo, por uma benesse qualquer - emprego, prestígio, dinheiro ou poder.
Naquele dia ficou claro que o governo trabalha com duas tropas. Uma, de elite, trabalhou no depoimento de Dilma Rousseff no Senado, há 15 dias, e foi sóbria.
A outra, selecionada entre o que há de pior na base aliada do Planalto no Parlamento, esteve de serviço anteontem e conseguiu ser apenas sórdida.
À falta de argumentos para combater as evidências - sendo a mais eloqüente o desmonte da mentira sobre a inexistência do dossiê -, deu-se ao desfrute da baixa recreação, lançando insinuações de duplo sentido sobre a ligação entre o assessor do Planalto e o assessor do senador de oposição.
Best-sellers
Pelo número de dossiês descobertos, e que por isso não deram certo, é de se imaginar a quantidade de dossiês que, encobertos, cumprem por aí, impunes, os seus malvados destinos.
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