Título: Uma conquista em perigo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/05/2008, Notas e Informaçoes, p. A3

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, negou ser tolerante com a inflação e reafirmou o objetivo do governo de mantê-la sob controle. ¿Essa é uma conquista do povo brasileiro¿, disse o ministro, repetindo uma frase muito usada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro seria mais convincente se desse mais ênfase a medidas ao alcance do governo para conter a alta de preços. Em vez disso, ele se esforçou para mostrar o aumento da inflação como um fenômeno internacional, aceito sem maior preocupação noutros países. Além do mais, insistiu em mostrar o espaço disponível, no Brasil, para acomodação de um índice bem acima do centro da meta, fixado em 4,5%.

¿A alta da inflação no Brasil¿, disse o ministro, ¿hoje decorre principalmente de choques de oferta. O sistema de metas de inflação, com margens de tolerância, foi feito exatamente para acomodar choques dessa natureza.¿ Logo, se os preços aumentarem 6,5%, neste ano, o objetivo terá sido alcançado. Mas será o caso de aceitar esse resultado por antecipação?

Foi essa a impressão dada pelo ministro na entrevista publicada na quinta-feira pelo jornal Valor, sob a manchete ¿Mantega sugere mais tolerância com a inflação¿. Na sexta, ele desmentiu a manchete, mas admitiu a exatidão do texto.

Em vários países, disse Mantega, a inflação está acima da meta, ¿e ninguém está arrancando os cabelos¿. Ele pode estar certo quanto à questão capilar, mas não pode negar o esforço realizado na maior parte dos países para contenção dos preços nem a preocupação demonstrada por presidentes de importantes bancos centrais (BCs), em recente reunião na Suíça. ¿Não é hora de complacência¿, disse o presidente do BC europeu, Jean-Claude Trichet, resumindo a principal conclusão do encontro.

Segundo ponto importante: a inflação, no Brasil, não é apenas conseqüência de um choque de oferta de alimentos e de matérias-primas. Em abril, o custo da alimentação subiu 1,29%, enquanto os preços do vestuário aumentaram 1,53%, os de artigos de limpeza, 1,41%, e os de produtos farmacêuticos, 1,18%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

A difusão dos aumentos é confirmada pelo Índice Geral de Preços (IGP), da Fundação Getúlio Vargas. No caso do IPC, um dos componentes desse índice, o grau de dispersão dos aumentos subiu de 57,89% em março para 61,4% em abril. Esse indicador mede a proporção de itens com majoração.

A alta de preços, portanto, não é concentrada em poucos itens nem decorre apenas de problemas de oferta. ¿A demanda interna está aquecida¿, acabou reconhecendo o ministro, mas esse fato, segundo ele, é desejável, ¿porque entusiasma os empresários a investir¿.

Mas a demanda aquecida, esqueceu de dizer o ministro, não resulta unicamente da expansão do crédito, do aumento do emprego e da elevação dos ganhos dos trabalhadores. O governo contribui de forma significativa para o aquecimento dos mercados, com a rápida expansão de seus gastos, principalmente de custeio. Essa expansão vai continuar porque o governo assume novos e vultosos compromissos de aumentos ao funcionalismo, depois de já haver inflado a folha salarial e os gastos da Previdência.

O uso da margem de tolerância, defendido pelo ministro, é justificável quando o custo de novas medidas contra o aumento de preços é superior aos benefícios previsíveis. Então, vale a pena aceitar, temporariamente, uma alta maior que a planejada. Mas esse não é o quadro brasileiro. A inflação medida pelo IPCA - 5,04% em 12 meses - não decorre apenas de choques de oferta. Além disso, o acumulado em 12 meses vem subindo de forma quase ininterrupta desde o início do ano passado. A demanda excessiva é um problema evidente, atribuível tanto ao gasto do governo quanto à rápida expansão do crédito ao consumo. O crédito ainda é pequeno como porcentagem do Produto Interno Bruto (cerca de 35%), mas seu crescimento é muito veloz e o próprio ministro da Fazenda, há alguns meses, chegou a reconhecer publicamente esse fato.

Não se justifica aceitar fatalisticamente uma inflação acima dos 4,5% fixados como centro da meta. Margem de tolerância, nesse caso, tem mais que um significado estatístico: é sinônimo de complacência, e põe em risco a tão decantada conquista do povo brasileiro.

Links Patrocinados